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A ESPIRITUALIDADE DE PAULO NA SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS


“De resto, irmãos, alegrai-vos, procurai a perfeição, encorajai-vos. Permanecei em concórdia, vivei em paz, e o Deus de amor e de paz estará convosco”. (2Cor 13 11)


A espiritualidade de Paulo na Segunda Carta aos Coríntios é recheada de elementos interessantes. O primeiro deles é a confiança na misericórdia e na consolação de Deus (1, 3). É o próprio Deus quem consola o apóstolo e quem consola a comunidade inteira (1, 4-6). Por isso, não se teme a tribulação, as provações, porque a confiança do cristão não se funda nele mesmo, mas em Deus (1, 9b).
            Todos somos chamados a viver a partir dessa confiança que gera alegria, simplicidade e pureza que vem de Deus (1, 12b), porque é pela fé (1, 24). Em Jesus todas as promessas de Deus foram cumpridas, encontraram n’Ele o seu sim (1, 20). Por isso, cada cristão é convidado a dizer esse mesmo sim a Deus, a exalar o bom odor de Cristo, segundo Paulo (2, 15). A espiritualidade paulina é marcada pela confiança na presença de Deus na sua vida, na comunidade e no cumprimento das promessas. É a espiritualidade da CONFIANÇA.
            Mais ainda, a espiritualidade de Paulo dirigindo-se aos coríntios é fundada na certeza de que o apóstolo não fala por si mesmo, mas é enviado de Deus, fala na presença de Deus em Cristo (2, 17b; 12, 19b). Desse modo, é o próprio Cristo quem fala nele (13, 3). Portanto é a espiritualidade da PALAVRA. A comunidade é, para o escritor, uma carta de Cristo entregue a ele, ao seu ministério, carta escrita segundo o Espírito de Deu vivo (3, 3).
            Portanto, o apóstolo não fala qualquer palavra, mas é o Espírito do Senhor quem o torna apto para a pregação, para ser ministro de uma Nova Aliança que comunica vida (3, 6). Nesse sentido, Paulo não falsifica a Palavra de Deus (4, 2b), não proclama a si mesmo, mas a Cristo Jesus (4, 5). Em tudo, sabe-se ministro de Deus (6, 4), na perseverança, nas tribulações, nos açoites, na prisão, nas fadigas, na alegria, na liberdade (6, 4b-10).
            A espiritualidade paulina é a espiritualidade do SERVIÇO à comunidade, “[...] vossos servos por causa de Jesus” (4, 5). É a caridade de Cristo que nos compele (5 14), é viver não mais para si, mas para Deus (5, 15). No entanto, esse serviço não é tranquilo, sem problemas e sem conflitos ou tribulações. Ao contrário, aquele que se detém ao serviço do anúncio é atribulado de todos os lados (4, 8), mas nunca vencido porque aquele mesmo que ressuscitou Jesus ressuscitará também a nós, a todos aqueles que se dedicarem à pregação e à vivência da fé (4, 14).
            Nesse sentido, a espiritualidade deve ser também um convite à CONVERSÃO, à renovação diária do homem interior (4, 16b). É hoje o dia da salvação, o tempo favorável (6, 1c). É fazer-se nova criatura, colocar-se na nova realidade de Jesus Cristo (5, 17). É o exercício de dilatar o coração porque somos o templo vivo de Deus (6, 13b.16b). Purificar-se de toda mancha da carne e do espírito (7, 1) e transbordar de alegria em toda a tribulação (7, 4b).
            Essa é outra marca da espiritualidade paulina: a ALEGRIA (7, 4b). O apóstolo se regozija com a comunidade, com o apoio que recebe dela (7, 6). Alegra-se mesmo na fraqueza porque é certeza de vida pelo poder de Deus (13, 4b). Alegrai-vos (13, 11)!
            Mas a espiritualidade, o encontro com Deus não pode dar-se sem compromisso. Por isso, Paulo fala aos coríntios que eles precisam doar com largueza (9, 6), doar conforme o seu coração, sem constrangimento, porque Deus ama aqueles que doam com alegria (9, 7-8). O amor de Deus por cada um deve ser manifestado também no amor aos irmãos e à comunidade de fé, inclusive suprindo necessidades materiais. É a espiritualidade encarnada na realidade, no social, no concreto. Aqueles que fazem da sua vida uma doação para a comunidade, para o sustento da pregação e que não agem com parcimônia, recebem de Deus bens, graças, bênçãos (9, 11). Não é uma teologia da prosperidade, mas do reconhecimento do próprio Deus daqueles que são generosos, que partilham.
            Paulo fala que a espiritualidade não pode ser para apenas um grupo, mas é preciso levar o evangelho para além dos limites da região (10, 16). A espiritualidade deve ser MISSIONÁRIA, ou seja, não se contentar com o pequeno mundo em que se vive, mas alargar a outras comunidades, outros povos. Além disso, é a espiritualidade do AMOR e da GRATUIDADE. Paulo dispensa recursos, ajudas para dedicar-se inteiramente à comunidade de Corinto (11, 2.8.). Por isso, é preciso fugir dos falsos profetas, daqueles que não querem servir, mas usufruir da comunidade para seu próprio bem (11, 13).
            A espiritualidade paulina é, porque não dizer, a do SOFRIMENTO, da FRAQUEZA. Somente experimentando a fraqueza em Jesus é que se torna forte, haure-se a força que vem de Cristo 12, 9-10). Se é para gloriar-se, que seja a glória das fraquezas, porque aquele que é a fortaleza, fez-se fraco com os fracos. Por isso, “quando sou fraco, então é que sou forte” (12, 10b).
Paulo, finalmente, faz um convite a não olhar as coisas que se veêm, mas a deter-se no que é eterno (4, 18). A espiritualidade paulina é ESCATOLÓGICA porque é certeza de que temos um edifício no céu que é obra de Deus, não humana (5, 1b). Caminhamos pela fé, não pela visão (5, 7).
E como Paulo pode dizer tudo isso? Certamente pelo seu testemunho na comunidade. Vários são os momentos que ele dá testemunho de si mesmo, do seu ministério e da sua doação. A sua presença na comunidade, o seu múnus evangelizador é marcado por fadigas, prisões, açoites, perigo de morte (11, 23).
Muitas vezes sofreu golpes, foi flagelado, apedrejado, três vezes naufragou, passou noites no mar, fez numerosas viagens, sofreu perigos nos rios, perigo dos ladrões, perigos de morte, perigos dos gentios, perigo nas cidades, no deserto, no mar, perigo de falsos irmãos (11, 24-26). Suportou a fadiga, duros trabalhos, numerosas vigílias, fome, sede, múltiplos jejuns, frio e nudez (11, 27). Tudo isso pelo Evangelho!
Trazia consigo a preocupação cotidiana com cada comunidade, com a solicitude que tinha por todas as Igrejas (11, 28). O bonito do testemunho de Paulo é que a sua vida identifica-se com o evangelho que ele pregou; que o seu viver o Reino abarca todos aqueles a quem fora-lhe confiada a missão de anunciá-lo. “Quem fraqueja, sem que eu também me sinta fraco? Quem tropeça, sem que eu também fique febri?” (11, 29).
 
D) Referências
 
BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo I. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1989.
 
______. Aas cartas de Paulo II. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1991.
 
FABRIS, Rinaldo. As cartas de Paulo III. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1992.
 
______. Os atos dos apóstolos. Tradução de Siro Manoel de Oliveira. São Paulo: Loyola, 1991.

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