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Gênesis e Êxodo

1 QUAL O SIGNIFICADO DO RELATO DA REFORMA AGRÁRIA DE JOSÉ (Gn 47, 13-26) NO CONTEXTO DA ESCRAVIDÃO?
               Na passagem da política agrária de José fica claro como o povo tornou-se servo do Faraó. Num tempo de grande fome, José, em nome do Faraó, reuniu todo o dinheiro do Egito e da terra de Canaã em troca de mantimento para o povo. No ano seguinte, o povo, mesmo sem dinheiro, ainda passava fome. José pediu então todo seu rebanho. Em troca de pão ficou com os cavalos, ovelhas, bois e jumentos do povo. Finalmente, sem dinheiro e sem rebanho, o povo só tinha a si mesmo e seus terrenos. E ainda passava fome. Foi então o povo a José e pediu que este comprasse seus terrenos e seus corpos e assim teria pão e seria servo do Faraó. José comprou todos os terrenos porque o povo estava com grande fome.
               Assim foi que aquele povo que Deus constituiu em Abraão, tornou-se servo do Faraó. Não mais serviu a Deus, mas se vendeu tornando-se escravo. O povo agora é servo do Faraó, sua vida e seu alimento estão sob sua tutela (Gn 47, 24). A importância desse texto para o contexto da escravidão é justamente apontar como o povo que antes servia a Iahweh tornou-se escravo do Faraó. Este relato é, ainda, uma chave de leitura importante para a libertação deste mesmo povo por Iahweh.

2 QUAL O SIGNIFICADO DE Ex 1, 1-22 PARA A TEOLOGIA DO ÊXODO? IMPLICAÇÕES ÉTICAS E TEOLÓGICAS DESSE TEXTO?
               A implicação ética dessa passagem é clara: a vida deve ser defendida. Deus está a favor da vida e, por isso, fica do lado de quem a defende. Foi isso que aconteceu no relato sagrado citado acima. Enquanto o Faraó do Egito queria que morressem todos os primogênitos, dos israelitas porque o número destes era maior que o dos egípcios, as parteiras, temendo o Senhor, não fizeram o que o rei pediu. Sefra e Fua, as parteiras, foram a favor da vida, defenderam-na da maldade do rei egípcio. Por isso, Deus as favoreceu e o povo tornou-se numeroso e muito poderoso.
               Já a implicação teológica é expressa em vários elementos. O primeiro deles é que Deus, mesmo quando o povo torna-se servo do Faraó, continua abençoando-o com a descendência. Isso se verifica pelo fato de que, mesmo tendo morrido toda a geração de José, os israelitas estavam em maior número na terra do Egito (Gn 1, 6-7). Portanto, Deus não abandona seu povo, mas caminha sempre com ele, ainda que este não seja fiel. De igual modo, percebe-se que a vida com Deus é sempre livre, vivida na paz e tranqüilidade, o jugo é suave. Já sob o domínio do rei do Egito, a vida torna-se dura e amarga com o peso dos trabalhos (Gn 1, 11.13). Contrariamente, todo aquele que teme o Senhor, como é o caso das parteiras Sefra e Fua, tem a proteção e a benção de Deus.

3 Gn 4: ANÁLISE DO RELATO À LUZ DO 5º MANDAMENTO E DA VIOLÊNCIA SOCIAL.
               Tendo em vista o princípio do 5º mandamento, “Não matar”, percebe-se que Caim, após matar Abel por inveja de sua oferta a Deus (Gn 4, 8b), foi expulso do solo fértil (Gn4, 11) e passou a viver como errante sobre a terra (Gn 4, 12b). Nesse texto nota-se que Deus é o Deus da vida, que protege e defende a vida, fazendo com que o homem que transgredir o 5º mandamento tome consciência de seu ato e perceba o que fez. Nesse sentido, é muito interessante a relação que o texto estabelece com a violência social. Não é porque Cai matou Abel que deve ser morto. Afinal, quem matar Caim será vingado sete vezes (Gn 4, 15). Violência só gera violência, já diz o dito popular. Uma ação violenta não justifica outra. A justiça de Deus não é a da retribuição do mal pelo mal. Deus quer muito mais do homem. Quer que este se arrependa, tome consciência de seu ato e não justifique um crime por outro. A violência contra um não pode gerar a violência contínua como mostra o texto ao afirmar que aquele que matar Lamec, da descendência de Caim, será vingado setenta vezes sete (Gn 4, 24), ou seja, numa proporção muito maior, na perspectiva    de que Deus não aprova a morte, mas a vida.

4 AS PRAGAS DO EGITO À LUZ DO ÊXODO, QUAL O SIGNIFICADO.

               As pragas do Egito (Ex 7, 8-11, 10) querem mostrar que Deus é aquele que não abandona seu povo, mas que caminha sempre ao seu lado, que quer a sua libertação. Isso se evidencia pelo fato de que insistidas vezes Iahweh é aquele que orienta Moisés a pedir que o Faraó deixe o povo partir (Ex 7, 26; 8, 16; 9, 1c. 13c; 10, 3c). O relato também quer esclarecer que o Deus dos escravos é superior ao deus da nação dominadora e opressora, inclusive o próprio Faraó, algumas vezes, reconhece o poder de Deus (Ex 8, 4; 9, 27; 10, 17. 24). O texto afirma ainda que nem mesmo os magos do Egito são capazes de fazer os mesmos prodígios de Deus, mas são atingidos pela úlcera (Ex 9, 11) e até os servos do Faraó reconhecem que Deus é maior quando pedem ao Faraó que deixe o povo servir a seu Deus (Ex 10, 7). Sendo assim, tanto o Faraó quanto o povo é levado a perceber que Deus é poderoso, é aquele que vence, porque na última praga, a dos primogênitos, até mesmo o filho do Faraó morre (Ex 5, 11) reafirmando que o reinado da escravidão é passageiro, mas o de Deus é perene, eterno. Finalmente,  o texto das pragas aponta que a opção fundamental do Faraó é o mal, porque repetidas vezes é pedido para o povo sair do Egito e este pedido é recusado. Portanto, o coração do Faraó seja endurecido, seja obstinado opta sempre pelo mal (Ex 7, 14b. 22b; 8, 11. 15b. 28; 9, 7b. 12. 35; 10, 20. 27; 11, 10b).

5 SIGNIFICADO DAS IDADES AVANÇADAS. PONTO DE VISTA TEOLÓGICO. POR QUE A VIDA LONGA FAZ PARTE DO PROJETO DE DEUS?

               Particularmente no capítulo 5 do livro do Gênesis aparece a idade dos patriarcas pré-diluvianos. É interessante e oportuno notar que são idades longas, avançadas. Essa característica tem um profundo sentido teológico. Quanto maior a idade, segundo a tradição sacerdotal, mais próximo de Deus está. Aqueles que estão longe de Deus vivem menos. Nos patriarcas pré-diluvianos as idades variam de 700 a 1000 anos. Adão, por exemplo, viveu novecentos e trinta anos (Gn 5, 5) e Matusalém viveu novecentos e sessenta e nove anos (Gn 5, 27). Já os patriarcas pós-diluvianos viveram de 200 a 600 anos como é o caso de Sem, filho de Noé, que viveu quinhentos anos (Gn 11, 11).
               Nesse sentido, nota-se que a vida do ser humano vai se encurtando cada vez que se afasta, distancia de Deus. Vida longa significa benção de Deus (Pv 10, 27), participação no seu projeto de amor e salvação. Sendo assim, somente os amigos de Deus têm vida longa. Portanto, o simbolismo religioso da idade avançada é entendido como benção e presença, pertença ao Senhor.  

6 QUAL O SIGNIFICADO DO DILÚVIO? CONTRA - PONTO.

               O relato do dilúvio (Gn 6, 5 – 9, 17) pode ter um contra-ponto como indica Milton Schwantes. Esse autor aponta que os textos do dilúvio são de origem das classes dominantes e que ele deriva, em parte, de um mito de origem da dinastia do poder. O soberano no mando diz-se sobrevivente do dilúvio. O império representa a ordem no cosmos. Segundo a visão cósmica daquele tempo, o firmamento garante a vida na terra, dado que sobre ele existe água, afinal, rompendo-se volta o caos na terra. Nessa perspectiva, o império é colocado como aquele que mantêm as comportas do firmamento fechadas e através do culto aplaca a ira dos deuses. Assim, nota-se que a ordem do império é a ordem natural. Rebelar-se contra o império é rebelar-se contra a natureza. Nessa ótica a imagem de Deus usada é a de um deus castigador, porque a iniqüidade tomou conta da terra. Portanto, o medo, o castigo eram as ideologias para manter a ordem. Com medo da destruição, todos se mantinham obedientes e fieis às idéias do império. Assim, a destruição do poder do mal pelo dilúvio é o ensinamento mais lógico do texto.
               No entanto, a surpresa da mensagem bíblica diverge da lógica de poder e dominação do império e encontra-se no final do relato apontando um contra-ponto à lógica do império. Não haverá mais dilúvio (Gn 8, 21) porque o mal está presente no coração do homem desde a infância. Isso assinala que a destruição não resolverá o problema, não trará a solução para o mal. A solução está na casa do justo. A arca abriga uma família, um clã (Gn 6, 18). Os critérios para entrar nessa arca e para derrotar o mal são três: justiça, integridade e andar com o Deus (Gn 6, 9). É a partir do clã, do pequeno que a vida será preservada e não pela ideologia dominadora do império. Os problemas familiares e as dificuldades sempre vão existir (Gn 8, 22; 9, 2-4). Mas a cura dessas ambigüidades e dificuldades também está na casa do justo. É o caso, por exemplo, da carne que não deve ser comida com sangue (Gn 9, 4) lembrando que somos próximos dos animais, eles também têm vida como nós! Nesse sentido, não é a força dominadora e destruidora que é reflexo da natureza, mas é o homem que deve gerenciar a criação sendo parceiro, não senhor absoluto. A vida pertence a Deus.
               O império não é aquele que punirá, mas a agressão de pessoa contra pessoa será punida sem a intervenção dele. Os próprios clãs têm autoridade para isso (Gn 9, 5-6). A partir disso, percebe-se que a interpretação de Milton Schwantes é importante por a ênfase anti-imperialista do texto bíblico. A opressão do povo por medo do dilúvio é causada pelo império que oprime e escraviza. Mas o próprio relato (Gn 8, 21) desautoriza tal interpretação ao afirmar que o dilúvio não mais acontecerá. A proposta tem um cunho clânico-familiar, ou seja, é a casa dos justos e íntegros, daqueles que andam com Deus (Gn 6, 9), que garante o futuro da humanidade. Em Noé está o futuro do cosmos. O destino das minorias proféticas é o destino do cosmos! Ou seja, a lógica de Deus é diferente da lógica do império.




7 COMENTE A DIFERENÇA ENTRE A ALIANÇA COM NÓE E ABRAÃO

               A aliança que Deus estabelece com Noé (Gn 9, 8-17) tem algumas caraterísticas importantes. É uma aliança estabelecida com Noé, todos os seus descendestes e seres animados (Gn 9, 9-10). Portanto, é uma aliança com todo o cosmos, no sentido que Deus é o Deus da criação, que ama e cuida do que cria. Na aliança com Nóe Deus promete que o dilúvio nunca mais acontecerá (Gn 9, 11b) e o sinal desta aliança é o arco na nuvem, o arco-íris (Gn 9, 13). É uma aliança eterna (Gn 9, 16), dado que toda vez que Deus reunir as nuvens sobre a terra e o arco aparecer na nuvem, ele mesmo se lembrará dessa aliança.

               A aliança com Abraão (Gn 17, 1- 27) tem alguns aspectos semelhantes à com Noé e outros novos. Também é uma aliança com Abraão e todos os seus descendentes (Gn 17, 10), é eterna, perpétua (Gn 17, 7b). No entanto, nessa aliança Deus muda o nome de Abrão para Abraão (Gn 17, 5), pois ele será pai de uma multidão de nações. Aqui se nota que o nome tem um sentido teológico, designa a missão do escolhido. A aliança com Abraão é marcada pela promessa da descendência (Gn 17, 2), pela terra (Gn 17, 8) e pela benção (Gn 17, 16). É uma aliança onde Deus torna-se Deus do povo que ele escolhe para si. Finalmente, diferentemente da aliança com Noé, o sinal é a circuncisão (Gn 17, 10-11). Interessante que o os elementos fundamentais do selo dessa aliança de Deus com Abraão são baseados em sinais internos. Se com Nóe, apenas o arco-íris lembraria a aliança, com Abraão, a circuncisão lembra essa aliança, mas também a descendência, a terra, a bênção, e ,sobretudo, a pertença do povo a Deus. 

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