Precisamente é este o título de uma das matérias de capa do Jornal ‘Folha de São Paulo’. A reportagem trata especificamente da elevação do número de pessoas evangélicas que não se denominam participantes de uma única igreja ou denominação religiosa, mas participam de várias confissões religiosas não se fixando em nenhuma. Inclusive , de acordo com o referido jornal, o número passou de 4% em 2003 para 14% em 2009.
Assim, é necessário fazer uma reflexão sobre o que motiva tal elevação do número dos evangélicos que não têm clara uma doutrina sobre a qual seguir. Evidentemente os jornalistas responsáveis pela matéria elencaram alguns fatores, mas vou trilhar um caminho próprio, ou seja, como um católico que percebe esse movimento dos evangélicos. Particularmente penso que todas as igrejas devem estar sofrendo com a falta de pessoas para trabalharem nos serviços missionários, nas pastorais e movimentos. Isto é um fato. Depois, isso não se revela de qualquer forma, mas parece ter um histórico.
Primeiro, vivemos uma crise constante de valores. Não se preza mais em respeitar e se comprometer com uma denominação religiosa, com suas normas. A nossa sociedade parece não querer mais seguir regras. Percebe-se isso não só no âmbito religioso, mas na própria dificuldade da justiça (por exemplo) de evitar tanta violência. Tudo fruto da não obediência a leis. Em nossa época tudo que passa a idéia de segurança, de tranqüilidade, de harmonia parece desafiar-nos no sentido de que nunca queremos o que é normal, mas sim ‘ser o diferente’, mesmo que para isso tenhamos que ser até ridículos!
Segundo, vivemos um tempo de egoísmo muito forte. Não se pensa mais no coletivo, no social, na ajuda mútua; mas simplesmente no que posso ganhar ou perder ao realizar alguma tarefa. A comunidade não é mais importante porque ela tem exigências, tem leis, regras e compromissos. É muito mais cômodo importar-me comigo mesmo porque assim não vou ocupar minha cabeça com os políticos que estão roubando o dinheiro público, com a crise econômica que acaba tendo resultado no meu bolso no fim do mês e assim por diante. Com isso percebemos que o problema da falta de vínculo não se manifesta somente no meio religioso, mas no social com incidência em todas as áreas da vida dos indivíduos.
Terceiro, vivemos em uma realidade que favorece o comodismo. Eu fico em casa sentado na sala assistindo o que quero, me conectando com o mundo em tempo real pela internet, me divertindo, trabalhando e assim é muito bom. Não preciso me importar com mais nada porque a minha vida se realiza no ‘meu mundo’. Isso é muito comum entre nós. Tudo se torna muito difícil. Não vou à reunião daquela pastoral porque hoje é uma reunião, amanhã outra e não tenho tempo! São essas coisas que escutamos por aí. Esse é um problema religioso, mas é social também. Enquanto o mundo gira lá fora, eu vivo no mundo aqui dentro. Não consigo me posicionar frente a tantos acontecimentos que me envolvem a cada instante porque não consigo dialogar, não sei resolver problemas, não consigo me posicionar sobre os assuntos de interesse geral, não me relaciono.
Quarto, vivemos em um momento em que as pessoas vivem sem-Deus, mas consigo mesmas. Poderíamos perguntar: por que mudam e/ou participam de tantas igrejas? Porque em cada uma delas encontra-se algo que realiza, que faz sentir melhor. O que está em primeiro plano não é o fato de eu ir à igreja para louvar a Deus pela maravilha da vida, por tantos bens que ele concede a todos nós a cada dia. Muito pelo contrário, vai-se à igreja para se sentir bem, para remediar-se das próprias crises existenciais, da dificuldade de lidar consigo mesmo e com suas dores, suas paixões, seus sentimentos. Por isso, a Missa daquele padre ou daquele outro não é boa. Ele não falou o que eu precisava/queria ouvir. O mesmo deve acontecer entre o meio evangélico. Assim, pra ouvir cantos bonitos vou à Igreja Católica, para ler a Bíblia vou naquela ali, para ouvir o pastor vou naquela de lá, para receber uma benção naquela outra. E Deus? Ah, nem lembramos desse detalhe.
Tudo isso é muito desafiador para pessoas como eu, que querem seguir um caminho mais radical de dedicação a Deus e ao seu Reino porque hoje é muito difícil evangelizar. É difícil fazer as pessoas acreditarem que Deus é que deve estar em primeiro plano na nossa vida e no nosso louvor. Que enquanto eu estiver procurando uma igreja que satisfaça os meus desejos, tudo aquilo que eu quero e que não consigo resolver por mim mesmo, vou continuar pulando de galho em galho.
Parece que precisamos de ler mais os mestres da fé. Agostinho, por exemplo. Ele quando dá seu testemunho nas ‘Confissões’ afirma que procurou Deus em todos os lugares, mas Ele estava precisamente dentro dele mesmo, no seu interior. Isso ainda acontece hoje. Deus está em cada um de nós e em todos juntos como comunidade. Não é preciso ‘ficar aqui e ali’. É preciso sim ter um compromisso, uma fé, uma doutrina porque só assim conseguiremos resgatar o que a nossa geração quer perder: a nossa capacidade de relacionamento com Deus que se manifesta na capacidade dos relacionamentos, dos diálogos, dos encontros com as pessoas. Se isso não acontecer poderemos nos tornar máquinas ambulantes que vão daqui pra lá e de lá pra cá sem saber ao menos quem trabalha conosco, quem mora no nosso prédio, no nosso bairro. Ou pior ainda: sem saber o que estamos fazendo neste planeta!
Eduardo Moreira Guimarães
6º Período de Filosofia
Diocese de Cornélio Procópio – PR
Comentários
Postar um comentário