I
– INTRODUÇÃO
O
presente trabalho apresenta uma breve definição das palavras ESSÊNCIA, PESSOA e
SUBSTÂNCIA. A ordem de apresentação foi estabelecida a partir da ordem
alfabética. Ao longo do texto notar-se-á que se buscou apresentar a origem do
termo pesquisado, bem como a sua evolução e o que ele significa no campo
teológico, mais especificamente em relação à Trindade.
II
– ESSÊNCIA, PESSOA, SUBSTÂNCIA
O
problema inicial que permeia a definição de essência, pessoa e substância
começa pelo fato de os gregos falarem de uma essência e três substâncias e os
latinos de uma substância e três pessoas[1]. Sendo
assim, corre-se o risco de confundir os termos e seus significados. Por isso,
estudou-se apenas a concepção latina sem fazer as devidas comparações com a
grega.
a) ESSÊNCIA
Por esse termo é
entendido, em geral, a resposta à pergunta “o quê?”[2], por
exemplo, na pergunta: ‘o que é o homem?’. A resposta, em geral, exprime a
essência das coisas a que se fez referência nas perguntas. No entanto, podem
dizer uma qualidade, um aspecto ou um caráter do objeto, mas quando se responde
que o homem é um animal racional aí
já se tem um “algo a mais”, ou seja, um caráter necessário do objeto definido.
Isso que qualifica o objeto como tal, como aquilo que somente ele é e nem um
outro pode ser, é a essência. A partir daí pode-se notar que essência é o
constitutivo que faz da coisa ela mesma e não outra. Aquilo que é imutável e
que tem a característica peculiar do objeto. Na
teologia se diz que “una e simples, a essência divina é o que é”[3].
Agostinho
usa a categoria de relação no tratamento da doutrina da Trindade e introduz a
alteridade na essência divina, sem comprometer sua simplicidade e sua unidade. Sendo
assim, cada pessoa na relação trinitária é outro e não outra coisa[4].
A essência é a mesma das três pessoas divinas. Basicamente se quer dizer que “a
Trindade é o modo de ser do Deus uno. Trata da unidade divina como forma de
perfeição. Todas as categorias são redutíveis à essência”[5].
Agostinho,
Anselmo de Cantuária e Tomás de Aquino buscaram entender a essência de Deus
realizando-se desde sempre como evento de relação. Deus é já o que ele pode
ser, imutável. Sendo assim, ele já tem em si toda a posse do ilimitado, não
comporta em si nenhum acidente. Então entender a essência de Deus como relação
é poder entender a distinção entre Pai, Filho e Espírito Santo[6].
E essa relação essencial só pode ser entendida a partir da essência do amor, de
distinguir em Deus um que ama, um que é amado e um que é o amor[7].
Na
teologia trinitária, resumindo, essência é [...] uma realidade perfeitamente
individualizada, única e idêntica para os três membros da Trindade”[8].
b) PESSOA
Termo que tem sua
origem no teatro é a máscara trágica ou cômica que o ator utiliza para
identificar o personagem[9].
Inicialmente o termo identificou pessoas gramaticais, foi utilizado no sentido
jurídico (pessoa – sujeito de direito), no século I a.C; o homem poderia ter
diferentes personae, papéis sociais e
jurídicos. A personalidade não era algo essencial[10].
Para
Aristóteles, a pessoa “é a dimensão sustentadora de um ser racional”[11].
É o que sustenta porque não tem nada de acidental, mas o substrato e a
representação corporal e intelectual do ser humano[12].
Já no contexto cristão o primeiro a dar à palavra “pessoa” todo o peso que tem
na doutrina trinitária foi Tertuliano quando designou em Cristo duas naturezas
em uma só pessoa[13].
Hipólito foi o primeiro a usar o termo atribuindo-o à Trindade.
Os
padres capadócios, Basílio e os Gregórios de Nissa e Nazianzeno, identificaram
uma origem ontológica para “pessoa”, dado que tinham que precaver-se contra a
ideia de que “pessoa” na doutrina da Trindade estava sendo compreendida como
papel assumido. Afirmaram que a palavra “pessoa” indica mais que um papel, mas
a plena e concreta realidade da natureza divina[14],
a ideia de subsistência. Esclareceram que, diferentemente do que ocorre com o
homem, em Deus nenhuma limitação da pessoa pela natureza é concebível, porque
“[...] natureza e pessoa, unidade e multiplicidade coincidem nele, e nenhuma
das pessoas é concebível sem as outras”[15].
A
patrística grega entendeu “pessoa” como ser em comunhão, no qual se pode pensar
tanto nas pessoas divinas como na pessoa humana[16].
Para Agostinho “pessoa” em Deus significa relação, apoiado em Jo 5, 19 (Uma
pessoa não faz nada sem as outras), mas pensa ser uma palavra que não se aplica
bem à Trindade, é uma palavra que é usada por não haver outra melhor[17].
Boécio, por sua vez, identifica ‘pessoa” como substância individual de natureza
racional”[18].
Assim nota a dificuldade em aplicar o termo à Deus, porque quando se fala de
substância corre-se o risco de entender que as três pessoas são três
substâncias distintas[19].
Para Ricardo de São
Vítor, a definição de Boécio não se aplica à Trindade, porque não coloca as
três pessoas em relação. A Trindade, segundo Ricardo, é substância individual
de natureza racional, então dela não se pode dizer que é uma só pessoa. Para
ele o acento de “pessoa” não deve ser colocado na individualidade, mas na
existência. Sendo assim, pessoa é o modo de existir, distinto de outros. Isso
permite dizer que Deus não é uma pessoa, mas o Pai é um, o Filho é um e o
Espírito Santo é - um distintos enquanto pessoas, unos em essência e substância[20].
Santo Tomás assume a definição de Boécio e assevera que “pessoa”
pode ser aplicado à Trindade dado que não deve ser entendido com relação à
aplicabilidade com a pessoa humana, mas entendido a partir de Deus, da “[...]
relação de autodoação total ao outro, já que a pessoa divina nada mais é do que
relação”[21].
A substância pode ser referida a Deus enquanto significar existir por si mesmo[22]. Assim,
sendo um em três pessoas, Deus é um conjunto de relações intradivinas que
brotam de sua “autofecundidade”[23].
Na modernidade o termo
“pessoa” foi visto a partir da subjetividade (Descartes), como um ser
inteligente e dotado de razão, reflexão (J. Locke), o eu que absorve em si tudo
o que tem – o não-eu (Fichte), a pessoa deve satisfazer-se consigo mesma
(Hegel) e, mesmo Marx quando critica a subjetividade o que quer é apresentar a
pessoa como produto de relações[24].
No entanto, essas definições estão ancoradas na independência do ser humano
frente a Deus, aos outros.
Alguns pensadores
filosofaram sobre a pessoa. Dentre eles Martin Buber e Emmanuel Mounier. Eles
tentaram fundar uma ‘interpersonalidade’ em uma relação pessoa humana – Deus,
mas a ideia da relacionalidade das pessoas divinas não estava presente em seus
pensamentos[25].
Para iluminar toda a
discussão que vinha sendo realizada ao longo dos séculos, karl Rahner buscou
outra terminologia. No lugar de pessoa, três diferentes maneiras de subsistir[26].
Percebe-se que Rahner entende “pessoa” como um modo de subsistência distinto.
Nesse sentido é interessante perceber a “pessoa” como “[...] relação que a
pessoa é, não relação que a pessoa tem”[27].
c) SUBSTÂNCIA
O termo substância é
utilizado por Aristóteles em dois sentidos: substância primeira (realidade
individual) e substância segunda[28]
(o que os membros de uma espécie tem em comum, por exemplo).
Na
linguagem teológica “substância” é introduzida no Concílio de Niceia quando
afirma que o Pai e o Filho são consubstanciais (homoousius), de modo que são o mesmo Deus. Nesse caso, uma e só
substância primeira. A terminologia foi agregada ao Credo no Concílio de
Calcedônia que diz Cristo consubstancial ao Pai (substância primeira) e
consubstancial à humanidade[29]
(substância segunda).
Na
teologia trinitária a “substância” é empregada para exprimir o que há de comum
às três pessoas divinas e que é, por isso mesmo, a base de sua unidade. Deus é,
desse modo, uno na substância e trino nas pessoas[30].
III
– CONCLUSÃO
Ao longo do
trabalho percebeu-se que a distinção dos termos essência e substância é um
pouco delicada. No entanto, entendeu-se que essência é aquilo que a coisa é, no
caso de Deus sua deidade. A substância é a categoria necessária para a
existência do seu ser. E pessoa, embora o termo que pareceu mais controverso na
história da teologia trinitária, aquilo que a coisa é por si, sua
particularidade.
Muito
interessante a consideração de Agostinho sobre a dificuldade de falar da
Trindade como pessoas distintas. De muita valia é sua opinião de que se utiliza
esse termo por não encontrar um outro melhor. Com o percurso do estudo nota-se
a compreensão desses conceitos na Santíssima Trindade como uma bonita e
profunda relação de alteridade, de doação e de amor.
IV
- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de
Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GOÉS, Paulo. Disponível em
<http://www.metodista.br/ppc/caminhando/caminhando-15/caminhando-15/essencia-ou-substancia-a-dificuldade-agostiniana-ao-falar-de-deus>Acesso
em 11 de mar. 2014, 19:47.
KLOPPENBURG, Boaventura. Trindade: o amor em Deus. 3.ed.
Petrópolis: Vozes, 1999.
LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário crítico de teologia. Tradução de Paulo Meneses. São
Paulo: Paulinas: Loyola, 2004.
LADARIA, L. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. Tradução de Paulo
Gaspar de Meneses. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2012.
PIKAZA, Xabiber; SILANES, Nereo. Dicionário teológico: o Deus cristão.
Tradução de I.F.L. Ferreira e Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1988.
SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática. Traduzido por
Ilson Kayser et.al. 5.ed. Petrópolis:
Vozes, 2012.
[1]
LADARIA, L. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da
Trindade. Tradução de Paulo Gaspar de Meneses. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2012.
[2]
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de
Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 358.
[3]
GOÉS, Paulo. Disponível em:
<http://www.metodista.br/ppc/caminhando/caminhando-15/caminhando-15/essencia-ou-substancia-a-dificuldade-agostiniana-ao-falar-de-deus>Acesso
em 11 de mar. 2014, 19:47.
[4]
Id.
[5]
Id.
[6]
SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática. Traduzido por
Ilson Kayser et.al. 5.ed. Petrópolis:
Vozes, 2012. p. 445-446.
[9]
PIKAZA, Xabiber; SILANES,
Nereo. Dicionário teológico: o Deus
cristão. Tradução de I.F.L. Ferreira e Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus,
1988. p. 699.
[10]
LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário crítico de teologia.
Tradução de `Paulo Meneses. são Paulo: Paulinas; Loyola, 2004. p. 1394.
[11] PIKAZA, X.; SILANES, N., op.cit., 1988, p. 699.
[12] Id.
[13] LACOSTE, J., op.cit., 2004, p. 1394.
[15] Id.
[16] Id.
[18]
LACOSTE, J., op.cit., 2004, p. 1396.
[19]
LADARIA, L., op.cit., 2012, p. 265.
[23] PIKAZA, X.; SILANES, N., op.cit., 1988, p.702.
[25] Id.
[29] LACOSTE, J., op.cit., 2004, p. 1690.
[30] KLOPPENBURG, B., op.cit., 1999. p. 67.
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