Número
40.
Neste
número o Santo Padre, João Paulo II esclarece conceitos importantes para a
teologia moral. Afirma que “[...] a vida moral exige a criatividade e o engenho
próprios da pessoa, fonte e causa dos seus atos deliberados”. Dizendo isso,
esclarece que cada um é responsável por seus atos morais, portanto, que a
pessoa é a fonte do ato. Existe, nessa ótica, a autonomia da pessoa em relação
ao ato moral cometido e, evidentemente, às consequências que tal ato implica.
Apresenta
também a carta encíclica que “[...] a razão obtém a sua verdade e autoridade da
lei eterna, que não é senão a própria sabedoria divina”. O que é mister nessa
asseveração é que esclarece o fato de que a autonomia do ser humano em relação
a seus atos morais se dá de acordo com uma lei, que é divina. A pessoa é
autônoma enquanto realiza determinado ato conscientemente e intencionalmente,
no entanto, não é autônoma no sentido de criar “uma moral” a partir de si
mesmo. O critério não é a razão pessoal, mas a razão enquanto orientada na
verdade e autoridade da lei eterna, portanto, há um critério superior, que
deriva do próprio Deus.
Assim,
quando se aponta a ‘justa autonomia’ do homem enquanto sujeito pessoal de seus
atos, aponta-se com respaldo da lei divina que orienta as ações humanas e que
as mostra o caminho para atingirem a vida moral. Para mim, esse é o grande
ensinamento da moral cristã católica. A autonomia da pessoa humana está
orientada por Deus, ou seja, existe um critério, e esse é justamente a opção
fundamental, que no cristianismo, é Jesus Cristo. Assim, o julgamento do ato
não se faz deliberadamente ou por critérios que se transformam a todo momento.
Não. O critério é sempre a pessoa de Jesus Cristo, portanto, é a moral do
seguimento.
Veritatis Splendor fala também que “A lei moral provém de Deus e nele encontra
sua fonte: em virtude da razão natural, que deriva da sabedoria divina, ela
é simultaneamente a lei própria do homem”.
Esse ponto é muito importante porque faz lembrar que a razão natural, aquilo
que o homem pensa, aquilo que ele é, as possibilidades que têm de agir, derivam
de Deus. Ou seja, o homem não é plenamente autônomo no sentido de não ter
vínculo com o Criador, mas depende d’Ele inclusive na sua própria maneira de
ser, porque é criado à Sua imagem e semelhança. Os princípios divinos estão, de
alguma forma, presentes no ser do homem, nas possibilidades que traz em si. Assim,
a lei moral que provém de Deus é a lei própria do homem porque deriva e tem sua
fonte naquele que o criou.
No
entanto, não fica comprometida a própria liberdade, porque “na intimidade da
consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve
obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal, no momento
oportuno a voz desta lei lhe soa nos ouvidos do coração: faze isto, evita
aquilo”[1].
Seguir a lei infundida em nós por Deus é seguir àquilo que se tem de mais
próprio, aquilo que a própria consciência percebe, aquilo para o qual o próprio
homem foi criado.
Citando
Santo Tomás de Aquino, aponta que a lei natural “não é mais do que a luz da
inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela, conhecemos o que se deve
cumprir e o que se deve evitar”. Aqui se define, de certa forma, a lei natural
apresentando que é a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Essa
afirmação gera a responsabilidade pessoal nos atos morais, como se disse acima.
Isso porque se temos em nós a capacidade de enxergar o que se deve cumprir e o
que se deve evitar, porque nos foi dada tal possibilidade por Deus, as nossas
escolhas morais devem ter por base a lei divina, o próprio mandamento de Deus.
Nesse sentido, a responsabilidade do ato pessoal recai sobre a própria pessoa à
medida que se conhece o caminho a seguir, mas se faz opção por outro.
A
implicação da afirmação de santo Tomás é que a autonomia da razão prática
significa que o homem possui em si mesmo a própria lei. Ele não é autônomo para
criar a lei moral dissociada da lei divina, porque já está em seu ser a própria
lei divina, aquela que o faz optar sempre pelo caminho do Criador.
Isso
implica que a autonomia da razão no sentido em que esta é iluminada pela luz
divina não pode significar a criação dos valores e leis morais como foi dito
acima. Se assim fosse, coloca a encíclica, se as leis e valores morais mudassem
conforme as contingências da história e das diversas sociedades e culturas,
esta autonomia estaria contrária a própria verdade do homem que não derivaria
seu viver, seu modo de proceder do Criador, mas do ambiente em que vive. O
homem não seria tido em seu ser mais próprio: imagem e semelhança de Deus, mas
estaria sujeito às alterações da cultura, da época, dos costumes. Simplesmente
não haveria um critério que respeitasse a essência de todo ser humano, sua
dignidade e igualdade.
Seria,
como assevera a carta no número 40, a morte da verdadeira liberdade. Por que?
Porque a lei natural infundida na pessoa humana não compromete a sua liberdade
no sentido de que somos livres para fazer o bem e evitar o mal. Afirma a Gaudium et Spes, n. 16, “Obedecer a ela
(a lei escrita por Deus no coração humano) é a própria dignidade do homem, que
será julgado de acordo com esta lei”. É viver de acordo com o desejo daquele
que criou todas as coisas na esperança de um dia retornar à Ele e chegar á
perfeição por sua graça, misericórdia e bondade.
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