Eduardo
Moreira Guimarães
edu.guimaraes.blogspot
A sociedade pós-moderna vive um
momento único na história da humanidade. A evolução da técnica, a voracidade do
mercado econômico e dos meios de comunicação em massa, inclusive a virtual operam
uma reestruturação da sociedade enquanto tal. Os paradigmas existentes há
alguns anos atrás não são mais referência para o tempo em que se vive. Desse
modo, o campo religioso, a própria teologia, enquanto estudo das coisas divinas,
cai em descrédito.
Como bem disse Rahner[1],
“Em média as pessoas que buscam o estudo da teologia hoje,
e não se trata só daqueles que se preparam para o presbiterato, não se sentem
seguras em uma fé que seja tida como coisa óbvia e seja apoiada por meio
ambiente religioso homogêneo e comum a todos. [...] Há trinta ou quarenta anos
atrás, quando eu mesmo estudava teologia, o estudante de teologia era uma
pessoa para quem o cristianismo, a fé, sua vida religiosa, a oração e a firme
intenção de servir em uma atitude presbiteral bem normal eram óbvias. [...] Mas
tudo isso acontecia com base na aceitação do cristianismo como óbvio [...]
Nossa situação estava essencialmente condicionada em parte por situação
sociológica bem determinada naquele tempo como que nos carregava, e que hoje
não mais existe”.
É nesse sentido, que a fé e a
própria evangelização sofreram com as mudanças sociais e com tudo que elas
trazem consigo. As questões relativas à fé são vistas com certa estranheza e
assombro pelas pessoas, primordialmente entre o meio científico e intelectual. O
discurso habitual não convence mais, a ameaça de incerteza ronda por todos os
lugares e o vazio impera na cultura hodierna. De igual modo, o questionamento
sobre a verdade, sobre sua existência e a dificuldade de crer porque a fé
parece ser assunto do passado estão na ordem do dia.
Tudo isso leva a inferir que o
intelectualismo e a busca de resultado imediato relacionados à pregação e à fé
parecem não resolver o problema. Todos já ouviram falar de um certo homem
chamado Jesus Cristo que marcou decisivamente a história da humanidade, no
entanto, a mensagem que ele veio trazer e a boa-nova que veio anunciar não
despertam mais interesse. Então urge uma nova atitude dos que crêem, ou uma
redescoberta da fé, do seu valor para a vida do homem, afinal Bento XVI[2]
assevera que,
“[...] a fé cristã não se preocupa apenas com o eterno,
como poderia parecer à primeira vista quando se fala em fé, em algo totalmente
diferente, localizado fora do mundo humano e do tempo, antes ela tem a ver com
o Deus que está dentro da história,
com Deus como homem. Ao parecer vencer o abismo entre o eterno e o temporal,
entre o visível e o invisível, ao fazer-nos encontrar Deus como homem, o eterno
como algo temporal, como um de nós, a fé apresenta-se como revelação”.
A fé não se trata, nessa
perspectiva, de uma dimensão fora da realidade humana, mas do constitutivo
próprio e complexo que compõe o próprio ser do homem. É Deus que se torna
presente na realidade e na história, que fica tão perto de seu povo que é
possível rejeitá-lo como escreveu João[3] no
seu Evangelho “[...] mas o mundo não o reconheceu”. É a fé nesse Deus que os
crentes devem recuperar e transmitir. Esse Deus tão frágil, tão próximo do ser
humano, feito menino, mas que veio para anunciar um Reino diferente, o Reino de
Deus[4], “Cumpriu-se
o tempo e o Reino de Deus está próximo”.
Diante do mundo vazio de sentido e
de referencial, descrente e, ao mesmo tempo, titubeante e indeciso frente às
várias propostas sobre Deus o crente é convocado a testemunhar e anunciar a
própria fé. Porém, esse anúncio e testemunho devem atingir não só os que já
conheceram a fé e a viveram em determinado tempo, mas também os denominados
não-crentes. A eles se dirige o convite para aderir à fé.
“Nenhum (crente ou não crente) consegue fugir totalmente da
dúvida e da fé [...] Faz parte da configuração fundamental do destino humano
poder encontrar o caráter definitivo de sua existência tão somente na
rivalidade interminável entre a dúvida e a fé, entre a tentação e a certeza”.[5]
Isso indica que a fé é proposta para
todos e que aceitá-la ou não é escolha pessoal, mas compromete a vida da
comunidade, porque a fé da Igreja é essencialmente fé comunitária. Do mesmo
modo, a aderência à fé diz respeito à própria teologia enquanto ciência e
enquanto discurso científico tão original e digno de crédito como qualquer
outra ciência.
Entretanto, a ciência teológica, a
fé não parte, na maioria das vezes, de uma experiência onde se possa constatar
algo empiricamente ou que produz resultado imediato. Não! Ela é, sobretudo, uma
experiência diferente, nova, um encontro com uma Pessoa – Jesus Cristo. É desse
maneira que se dá o início do ser cristão, a aceitação da fé. “Ao início do ser
cristão, não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um
acontecimento, com uma pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o
rumo decisivo”[6].
É, justamente nesse sentido, que a
redescoberta da fé é pressuposto para a Nova Evangelização proposta por Bento
XVI à luz do Concílio Vaticano II. Pensando nisso, o Sumo Pontífice proclamou o
Ano da Fé, no desejo de que este ano
“[...] deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do
estudo dos conteúdos fundamentais da fé [...]”[7]. É
redescobrir a fé que animou Maria, os Apóstolos, os discípulos, os mártires, os
consagrados, homens e mulheres de todas as idades e a cada cristão hoje a dar
sentido á própria existência e a perceber Jesus vivo e presente na vida e na
história[8].
Nisso consiste a preocupação com a
Nova Evangelização, ou seja, o dever da Igreja de anunciar sempre e em todo
lugar o Evangelho de Jesus Cristo. Mediante o afastamento da fé e a
descristianização, a Igreja poderá oferecer respostas adequadas a fim de que se
apresente ao mundo com um impulso missionário capaz de promover uma nova
evangelização e um renovado primeiro anúncio do Evangelho[9]. É
atender ao mandato de Jesus de fazer discípulos todos os povos batizando-os e
ensinando-os a obedecer ao que Ele havia ordenado[10].
No entanto, essa tarefa é urgente. Isso se demonstra porque
o próprio Papa Bento XVI criou, em 2010, o Pontifício Conselho para a promoção
da Nova Evangelização e não tem medido esforços para realizar esta árduo, mas
valioso e necessário empreendimento eclesial. Além disso, em 2012,
realizar-se-á a XIII Assembléia Geral Ordinária, o Sínodo dos Bispos, que tem
como tema “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. Tudo isso
demonstra a relevância de se discutir sobre a fé e sua transmissão ao mundo
hoje.
Mas essa fé deve ser consistente, fundamentada no encontro
com o Ressuscitado, na Palavra de Deus, na Tradição e no Magistério. Deve-se
evangelizar em vista da inserção no projeto do Reino de Deus, e da sua presença
já agora no cerne da humanidade. E esta Nova Evangelização parte da fé e do
encontro com o Senhor como elementos fundantes.
É recordar e atualizar o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús[11],
o desânimo frente à perda de um ideal e uma mensagem que dá vida e, concomitantemente,
a alegria renovadora do encontro com Aquele que explica as Escrituras e parte o
pão. É reviver e testemunhar a alegria de mudar de rota, retornar aos lugares
onde a comunidade se encontra para retransmitir a alegria, o amor primeiro do
encontro com Jesus Cristo.
"É próprio do mistério de Deus agir desse modo suave. Só
pouco a pouco é que Ele constrói na grande história da humanidade a sua história. Torna-Se
homem, mas de modo a poder ser ignorado pelos contemporâneos, pelas forças
respeitáveis da história. Padece e morre, e, como Ressuscitado, que chegar à
humanidade apenas através da fé dos Seus, aos quais Se manifesta. Sem cessar,
Ele bate nuavemente as portas dos nossos corações, e se Lhe abrirmos,
lentamente vai-nos tornando capazes de 'ver'. Contudo, não é este precisamente
o estilo divino? Não se impor pela força exterior, mas dar liberdade conceder e
suscitar amor. E - pensando bem - não é o aparente mais pequenino o realmente
grande? Porventura não irradia de Jesus um raio de luz que cresce ao longo dos
séculos, um raio que não podia porvir de nenhum simples ser humano, um raio
mediante o qual entra verdadeiramente no mundo o esplendor de Deus? Teria o
anúncio do apóstolo podido encontrar fé e edificar uma comunidade universal se
não operasse neles a força da verdade? Se ouvirmos as testemunhas com o coração
atento e nos abrirmos aos sinais que o Senhor não cessa de autenticar as Suas
testemunhas e de atestar-Se a Si mesmo, então saberemos que Ele verdadeiramente
ressuscitou; Ele é o Vivente. A Ele nos entregamos, sabemos que assim
caminhamos pela estrada justa. Com Tomé, metamos a nossa mão no lado
traspassado de Jesus e professemos: 'Meu Senhor e meu Deus!' (Jo 20, 28)"[12].
Redescobrir a fé como pressuposto para a Nova Evangelização
é, para Bento XVI, rememorar e reviver a própria experiência primeira da fé que
recebemos como dom de Deus. Mas é também conhecer essa mesma fé que tem como
pedra angular o acontecimento vivo e real, presente na história, chamado
manifestação de Deus, Jesus Cristo e transmiti-la sempre de novo, embora de um
jeito novo e encantador.
[1]
RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé:
introdução ao conceito de cristianismo. Tradução de Alberto Costa. São Paulo:
Paulinas, 1989. p. 15-16.
[2]
RATZINGER, Joseph – Bento XVI. Introdução
ao Cristianismo: preleções sobre o símbolo apostólico com um novo ensaio
introdutório. Tradução de Alfred J. Keller. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p.
42.
[3] Jo
1, 11.
[4] Mc
1, 15.
[5]
RATZINGER, Joseph, 2005, p. 36.
[6]
BENTO XVI. Deus caritas est. n. 1.
[7]
BENTO XVI. Porta Fidei. n. 11.
[8]
Cf. Ibid., n. 13.
[9]
Cf. BENTO XVI. Ubicunque et semper.
[10]
Cf. Mt 28, 19-20.
[11]
Cf. Lc 24, 13-35.
[12]
BENTO XVI, Papa. Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a ressurreição.
Tradução de Bruno Bastos Lins. São Paulo: Editora Planeta, 2011. p. 246-247.
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