INTRODUÇÃO
À VIDA DE ORAÇÃO X
Hoje, temos ao nosso alcance um texto
precioso “Introdução à vida de oração” [1]
de Romano Guardini. A partir de nossa leitura, apresentamos aqui um
texto-fichamento que poderá contribuir com a nossa vida de oração, sobretudo
nesses tempos que nos são tão desafiadores. R. Guardini (1885-1968) foi um
influente teólogo do século XX, nascido na Itália. Em 1923 tornou-se professor
na Universidade de Berlim até a supressão de seu curso pelos nazistas em 1939.
Mais tarde, lecionou em Tubingen e em Munique. Contribuiu para dar à fé
católica um sentido renovado, sem romper com a tradição, preparando o caminho
para o Concílio Vaticano II.
A ORAÇÃO NOS FAZ
TOCAR OS MISTÉRIOS DE DEUS
Durante o percurso que
fizemos pela obra de R. Guardini ficou claro que “o homem que reza não é um ser
invariável. Ao contrário, é um ser vivo, e tudo quanto afeta a sua vida exerce
influência em sua oração. Mais ainda, que a oração é essencial para o homem, e
não as outras atividades que se apresentam como mais urgentes e mais
importantes, porém, essa oposição esconde-se em qualquer pretexto para poder
dizer que não pode nem precisa da oração”.
Aprendemos e sentimos,
muitas vezes que “a oração se torna penosa e julgamos que não tem sentido,
sobretudo nos tempos de provação. Mas, apesar disso, ocorre no interior do
homem algo muito importante: a confiança e a força crescem, e forma-se o que
podemos chamar de caráter na vida religiosa. São tempos em que temos que viver
sustentados somente pela fé e pela fidelidade. Por meio delas se constrói nosso
futuro. Mas, podemos nos perguntar: o que fazer quando não se possui fé
suficiente para rezar? A oração dirige-se ao Deus que se manifestou na
Revelação, mas só a fé nos diz que essa Revelação é verdadeira”.
Não se pode desanimar. “A
fé tem de perseverar e, com ela, a oração. A essência da fé consiste justamente
na perseverança, pois não se fundamenta em sentimentos, e sim no caráter e na fidelidade;
não em condições instáveis, mas no que é duradouro e permanente. Mas temos
também de considerar que a própria fé depende da oração e a intensidade e a
forma da nossa oração dependem da medida da nossa fé”.
Rezar é uma atividade que
realizamos no Espírito do Senhor. Sobretudo “na oração pessoal eu me situo como
pessoa perante Deus. Nela, o homem encontra-se a sós com Deus, mas não diz ‘eu’
e sim ‘nós’. A origem da oração pessoal não está no desejo das pessoas de viver
em comunidade, mas na vontade criadora de Deus, que abrange toda a humanidade”.
A oração pessoal une-se a
oração da litúrgica da Igreja. “A Igreja foi fundada por Cristo, nasceu no dia
de Pentecostes e subsiste, quer os homens e as sociedades queiram, quer não. Ela
está na história de modo visível, acessível, dotada de responsabilidade e de
poder. A ela foi confiada a herança de Cristo. Nela vive o Senhor glorificado,
que se oferece por ela continuamente por meio de sua missão redentora”.
“A oração pessoal brota
da espontaneidade do coração, mas precisa ser regulada para se manter sã e
ordenada. Na oração e na ação litúrgica, tal espontaneidade não teria sentido,
antes conduziria apenas à arbitrariedade e à confusão. Por isso, a Igreja
ordenou a ação litúrgica baseando-se em múltiplas experiências e constantes
provas e reformulações. Essa ordenação não é apenas um conselho, é uma norma
que todos os cristãos devem obedecer. Ela torna-nos desapegados e liberta-nos”.
Na oração não estamos
sozinhos. Os santos rezam conosco, afinal, “estamos convencidos de que os
mortos vivem com Deus. A morte não é, segundo a fé cristã, o fim de tudo, mas
uma passagem. Os que morem em Cristo não perdem a existência, mas adentram na
plenitude da realidade santa. Claro que são apenas homens; mas homens que
adentraram profundamente no mistério de Deus, de tal modo que a nova criação se
realizou neles. A verdadeira piedade sabe que Deus é único, mas ama e respeita
todas as manifestações da sua graça nos redimidos”.
Além dos santos, temos
uma grande intercessora: Maria. “Ela é a Mãe do Salvador, mãe do Deus – Homem, Jesus
Cristo. Ao viver para o Filho, Maria alcançou a plenitude da existência cristã.
Ela viveu a mesma vida do Senhor. A mensagem do anjo foi, ao mesmo tempo,
promessa, exigência e pergunta. A vida, a paixão, a morte e a ressurreição do
Senhor, que foram para todos nós prova e início da salvação, foram para Ela, ao
mesmo tempo, a sua própria existência. Maria atingiu a plena maturidade cristã”.
“Quando Nossa Senhora,
após a ascensão de seu Filho, viveu com São João, certamente foi visitada pelos
cristãos que teriam lhe perguntado sobre Jesus, pois ela era a única que lhes
podia dar testemunho de trinta anos de sua vida. Sobre ela descera o Espírito
Santo e ensinara-lhe a compreender o mistério da vida de Cristo, o verdadeiro
sentido daquilo que ela, muitas vezes sem compreender a grandeza divina: ‘conservava
no coração’ (At 1,14; Lc 2,50-51). Maria conheceu Jesus mais do que qualquer
outro homem”.
“Os homens procuravam
Nossa Senhora e pediam-lhe que lhes falasse do Filho. Não devemos menosprezar
tudo o que, graças a Maria, estão nos relatos evangélicos. Também não podemos
deixar de pensar que os cristãos a procuravam frequentemente para pedir que ela
incluísse as suas intenções em suas orações”.
“A Igreja viu realizada
em Maria a unidade da virgindade e da maternidade, e cumprida algumas
expectativas antigas do gênero humano. Nossa Senhora está ao mesmo tempo próxima
e afastada de nós; unida e distante. Não é fácil dizer em poucas palavras o que
leva os cristãos à presença de Maria. A principal razão é a busca por seu
auxílio. Ela é a ‘Consoladora dos aflitos’, o Auxílio dos Cristãos’, a ‘Mãe do
Bom Conselho’. Nela, que é a Mãe do Salvador, o cristão encontra um amor
inesgotável, pronto a consolar todas as misérias e todos os sofrimentos. Sendo o
que é na ordem da redenção e pela graça de Cristo. Por isso, o cristão sabe que
pode confiar em seu amor. Não podemos calcular o que significa poder confiar ao
seu amor todas as nossas preocupações, inclusive as mais escondidas”.
“Tão essencial como a
oração é a alegria perante a imagem santa e bela de Maria, a predileta de Deus,
exemplo de grande fé e de adesão profunda ao mistério. O que mais atrai os
cristãos para Maria é a busca por viver em uma atmosfera de santidade. A oração
do Rosário é sinal dessa verdade. Por meio dele, pedimos reiteradamente a Maria
que assuma todas as necessidades que oprimem a nossa vida”.
No último 13 de maio, o
Bispo de Leiria-Fátima, em Portugal, Dom Antônio Cardeal Marto, lembrava que a
celebração tão comovente e profunda naquele Santuário em Fátima com tão poucos
peregrinos nos lembra que, dessa vez, depois de 103 anos, quem saía mais uma
vez como peregrina era Maria para visitar cada família, cada lar e a todos
levar sua presença materna e amorosa. Maria é sinal de Deus no meio do seu povo!
Isso nos leva a concluir
que “se o homem não aprendeu a estar na presença de Deus, se os seus ouvidos
não estão abertos e a sua boca não está pronta para falar, faltará
interioridade à ação litúrgica, que será vivida de modo superficial”, faltará
interioridade em sua vida e não conseguirá tocar os mistérios de Deus pela fé.
[1]. GUARDINI, Romano. Introdução à vida de oração. Tradução
de Cristina Hulshof. São Paulo: Cultor de Livros, 2018. p. 154-186.
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