VIRTUDES
FUNDAMENTAIS – VIRTUDES CARDEAIS - PRUDÊNCIA
A fé cristã nos ensina
que devemos nos esforçar diariamente para viver uma vida virtuosa. Desse modo,
somos convidados a fugir de todo e qualquer vício e nos dedicarmos à
compreensão e vivência das virtudes. Josef Pieper, filósofo católico alemão,
trabalha a partir dos escritos de São Tomás de Aquino as “Virtudes
fundamentais: as virtudes cardeais e teologais”[1] – título de sua obra.
Meu desejo, enquanto
sacerdote, é partilhar com os amigos, em pequenos textos, o fichamento dessa
obra e, dessa maneira uma contribuição com cada um na sua busca pessoal de
vivência conformada à vontade do Senhor. Ao mesmo tempo, eu, primeiramente, sou
aquele que está a caminho. Espero que esses abreviados artigos nos ajudem a
aproximarmo-nos de Cristo, o modelo perfeito de virtude.
A PRUDÊNCIA
“Se
o teu olhar for puro, todo o teu corpo terá luz”. (Mt
6,22)
A primeira das virtudes
cardeais é a prudência. Ela “é a ‘mãe’ e a informadora de todas as outras
virtudes cardeais – da justiça, da fortaleza e da temperança. Só quem é prudente
pode ser justo, corajoso e temperado; o homem bom é bom em virtude da sua
prudência. [...] Omnis virtus moralis
debet esse prudens: toda a virtude é necessariamente prudente. [...] A
prudência é a razão daquilo que torna
virtudes as outras virtudes”.
“A justiça, a fortaleza e
a temperança só atingem a ‘capacidade’ do homem total e, portanto, a sua
perfeição, quando se fundamentam na prudência, isto é, acima de tudo, na
‘capacidade perfeita’ de se decidir retamente. [...] O que é bom é prudente
previamente. [...] A virtude moral é a modelação do querer e do realizar por
meio da prudência”.
“Os dez mandamentos de
Deus encontram-se todos orientados para a executio
prudentiae. E todo pecado é pecado contra a prudência. Todo aquele que peca
é imprudente”. Tem sentido e profundidade a oração “Deus, tu mostras aos que
erram a luz da tua verdade, para que eles possam retomar o caminho da justiça”
(Oração do III Domingo da Páscoa).
“A primazia da prudência
significa pois, em primeiro lugar, a orientação do querer e do agir para a
verdade; mas significa, por fim, a orientação do querer e do agir para a
realidade objetiva. O que é bom começa por ser prudente; o que é prudente,
porém, está em harmonia com a realidade”.
“Só pode proceder bem
quem sabe como as cosias são e como se relacionam. Não bastam, pois, a chamada
‘boa intenção’ e a chamada ‘boa opinião’. A realização do bem pressupõe uma
conformidade do nosso agir com a situação real – quer dizer com as realidades
concretas que rodeiam uma atitude humana – e, por consequência, uma lúcida
objetividade sobre essas realidades concretas. [...] É necessário que o
prudente conheça não só os princípios universais da razão, mas também os
aspectos particulares em que se situa o procedimento moral”.
“O homem deve amar e
realizar o bem: esta ideia traduz o conteúdo da consciência moral. Exprime o
fim global de todo o agir humano. [...] A prudência, ou antes, a razão prática
atuante na prudência é por assim dizer, a consciência da situação, a
‘consciência circunstancial’. [...] A prudência consiste no fato de o
conhecimento da realidade se transformar na decisão prudente que se repercute
diretamente na realização”.
Mas o ser humano pode ser
imprudente, porque existem, também, tantas formas de imprudência. A primeira
forma é a imprudência por irreflexão – há duas formas de ‘rapidez’ e de
‘lentidão’: uma no refletir e outra no agir. São Tomás lembra que “deve-se ser
lento na reflexão, mas o ato refletido deve executar-se rapidamente. [...] Uma
segunda forma de imprudência é a indecisão. É na decisão diretamente orientada
para o ato, que se encontra o autêntico louvor da prudência”.
“Todos os cristãos
recebem no batismo, ao mesmo tempo que a nova vida da amizade divina, uma
sobrenatural (infusa) prudência” que deverá orientar o seu agir. “A atitude
fundamental do ‘silencioso’ exame da realidade é o conjunto de todos os
pressupostos individuais a que está ligada a ‘prudência cognoscitiva’. Os mais
importantes destes pressupostos são os três seguintes: memoria, docilitas, solertia”.
“Memoria significa neste caso mais do que a possibilidade, por assim
dizer, natural, de recordar. A ‘boa memória’, enquanto pressuposto da perfeição
da prudência, quer dizer a memória fiel
ao ser. [...] Para Santo Agostinho é a memória a realidade espiritual
originária, da qual se desprendem o pensar e o querer; e assim, será a memória
uma imagem de Deus – Pai, do qual procedem o Verbo e o Espírito Santo. [...] Só
uma retidão do ser humano total, depurando a secreta raiz do querer, pode
servir de garantia à objetividade da memória”.
“A virtude da prudência é
um bonum arduum, um ‘bem difícil’.
[...] No que diz respeito à prudência, ninguém se basta a si mesmo, sem docilitas não pode haver prudência
perfeita. O que o termo designa é aquela disponibilidade leal que, em face da
multiplicidade realista das coisas e das situações experimentadas, renunciar a
refugiar-se estupidamente na absurda autarquia de um saber fictício. A capacidade
de se deixar instruir, capacidade que brote, não de uma vaga modéstia, mas
simplesmente do desejo de conhecimento verdadeiro – o que já de resto
necessariamente contém a autêntica humildade”.
“Solertia é uma ‘plena capacidade’, em virtude da qual o homem,
quando o inesperado aparece diante dele, não obedece ao reflexo de fechar os
olhos; pelo contrário, com os olhos abertos e penetrantes, consegue decidir-se
pelo bem, e vencer assim a tentação da injustiça, da covardia, da intemperança”.
“Memória de fidelidade ao
ser, disponibilidade, clara objetividade na situação crítica – tais são as
virtudes do prudente sob o aspecto intelectual. [...] O prudente não espera uma
certeza onde ela não existe; e não engana a si próprio com as certezas falsas”.
Cuidado! “A astúcia é a
forma falsa da prudência. [...] Quem olha apenas para si e não deixa ouvir a
voz da verdade das coisas, esse não pode ser justo, nem corajoso, nem comedido”.
“Na prudência, a virtude
soberana que dirige a vida, está essencialmente encerrada a bem-aventurança da
vida ativa”.
[1]
PIEPER, Josef. Virtudes fundamentais: as virtudes
cardeais e teologais. Tradução de Paulo Roberto de Andrada Pacheco. São Paulo:
Cultor de Livros, 2018. p. 13-26.
Comentários
Postar um comentário