DO
PROFUNDO DO NOSSO CORAÇÃO[1]
O
Cardeal Robert Sarah com a colaboração do Papa Emérito Bento XVI escreveu um
livro intitulado “Do profundo do nosso coração” que reflete sobre “o tema mais
difícil para a Igreja: o futuro dos padres, a justa definição do sacerdócio
católico e o respeito ao celibato”. A partir da leitura desse escrito,
apresento alguns pontos fundamentais da vida dos sacerdotes para que
compreendamos, sempre mais, a vida desses homens escolhidos e chamados por
Deus.
SACERDOTE: HOMEM DA EUCARISTIA, DA
ORAÇÃO E DA CRUZ
Segundo o Cardeal Robert
Sarah, “O sacerdote não é apenas aquele que realiza uma função sacrifical. Ele é
aquele que oferece a si mesmo em sacrifício por amor no seguimento de Cristo”. É,
então um homem dedicado exclusivamente ao Senhor. Por isso, a passagem do “sacerdócio
do Antigo Testamento ao sacerdócio do Novo Testamento se traduz pela passagem
de uma ‘abstinência sexual funcional’ a uma ‘abstinência ontológica’”. O padre
é escolhido para uma vocação de inteira e exclusiva pertença ao Senhor.
O celibato, desse modo, é
o ‘sim’ definitivo: é deixar Deus nos tomar pela mão, oferecermo-nos nas mãos
do Senhor, em nosso ‘eu’. É um poderoso motor de evangelização que nos remete a
origem do chamado divino. “O sacerdócio é uma resposta a uma vocação pessoal. Ele
é fruto de um chamado íntimo de Deus. Ninguém se torna padre porque é
necessário preencher uma necessidade da comunidade e porque é preciso que
alguém ocupe esse ‘posto’. O sacerdócio é um estado de vida. Ele é fruto de um
diálogo íntimo entre Deus que chama e a alma que responde”.
O sacerdócio tem em sua essência
a relação esponsal com a Igreja. Ela, “como Esposa de Jesus Cristo, quer ser
animada pelo sacerdote de maneira total e exclusiva com a qual Jesus Cristo
Cabeça a animou. A Igreja tem necessidade de homens que a amem com o mesmo amor
do Cristo – Esposo”. Sendo assim, “sem a presença do padre celibatário, a
Igreja não pode mais tomar consciência de que ela é Esposa do Cristo. O
celibato sacerdotal, longe de se reduzir a uma disciplina ascética, é
necessário à identidade da Igreja”. O celibato
é para o padre o meio de entrar em uma autêntica vocação de esposo.
“O celibato é um apoio
que permite à Igreja evitar a falácia que seria compreendê-la como uma
instituição humana cujas leis seriam a eficácia e a funcionalidade. O celibato
sacerdotal abre a porta à gratuidade no corpo eclesial. Ele protege a
iniciativa do Espírito Santo e nos faz evitar crer que somos os mestres e
os criadores da Igreja. [...] O celibato exprime e manifesta quanto a Igreja é
a obra do Bom Pastor antes de ser a nossa”.
Para viver essa dimensão
esponsal perante a Igreja, o sacerdote deve oferecer-se com Cristo. “O Cristo
se ofereceu sobre o altar da Cruz. Todos os dias, o sacerdote renova essa
oblação ao pronunciar as palavras ‘isto é meu corpo entregue por vós’. A cada
vez que um padre repete ‘isto é meu corpo’, ele oferece seu corpo sexuado em
continuidade com o sacrifício da Cruz”.
Um padre é um homem separado
para Deus; “é representante de Deus, um homem que está revestido dos poderes de
Deus. Vede o poder do sacerdote! A língua do sacerdote, de um pedaço de pão,
faz um Deus. Ora, esse milagre somente ocorrerá se aceitarmos ser crucificados
com o Cristo” no altar da Eucaristia. “A alegria do padre é plenamente vivida
na Santa Missa. Ela é a razão de ser de sua existência e dá sentido à sua vida.
No altar, o padre se coloca junto à hóstia. Jesus o olha e ele olha para Jesus.
[...] Ele não se torna somente um Alter
Christus, um outro Cristo. Ele é verdadeiramente Ipse Christus, ele é o próprio Cristo”.
“Nós, sacerdotes, dizia
São Josemaría Escrivá, quer sejamos santos ou pecadores, não somos mais nós
mesmos quando celebramos a Santa Missa. Somos o Cristo que renova sobre o altar
o divino sacrifício do Calvário”. “De fato, no altar, não presido essa missa
que nos reúne. É Jesus que a preside em mim. Por mais que disso seja indigno,
Jesus está verdadeiramente presente na pessoa do celebrante. Sou o Cristo: que
afirmação terrificante Que notável responsabilidade! É in persona Christi que consagro o pão e o vinho, após lhes ter
entregue meu corpo, minha voz, meu pobre coração tantas vezes ferido por
numerosos pecados”.
“O celibato sacerdotal
nasce da Eucaristia. Ele confere à toda a vida do sacerdote um sentido sacrificial:
‘É da Eucaristia que o sacerdote recebe a graça e a responsabilidade de dar um
sentido ‘sacrifical’ a toda a sua existência’. Se o Cristo se doa a si mesmo
como alimento, então o sacerdote deve ser ‘um homem crucificado e um homem
entregue’ a Deus e aos irmãos.
Para isso se realizar é
preciso oração e intimidade com o Senhor. “Os fieis não esperam senão uma coisa
dos padres: que sejam especialistas no encontro do homem com Deus. [...] O padre
deve ser, sobretudo um homem de oração. O coração do sacerdócio é sermos amigos
de Jesus Cristo. É precisamente na oração e na adoração diante do tabernáculo
que encontramos apoio indispensável para nossa virgindade e para nosso celibato
sacerdotal”.
“Sejamos assíduos na
oração de adoração e a ensinemos aos fieis cristãos pelo exemplo de nossa vida.
São Carlos Borromeu repetia: ‘Não poderás cuidar da alma dos outros se deixas a
tua perecer. No final, não farás mais nada, mesmo pelos outros”.
“Caros padres e
seminaristas, se quereis que vossa fé permaneça forte e vigorosa, convém
alimentá-la com uma vida de oração assídua, humilde e confiante. Sede perseverantes
e permanecei modelos e mestres de oração. [...] O candidato ao sacerdócio deve
reconhecer que a fé é a força de sua vida e deve saber que ele não poderá
assumir esse modo de vida senão na fé. O momento de oração é o tempo mais importante
da vida do padre, aquele em que a graça divina age com maior eficácia, tornando
seu ministério fecundo. Orar é o primeiro serviço prestado à comunidade”.
“É preciso constantemente
redescobrir que Deus é a nossa prioridade. Por isso, “o padre que reza muito e
reza bem é progressivamente expropriado de si mesmo e cada vez mais unido a
Jesus Bom Pastor e servo de seus irmãos. O sacerdote não pode e não deve ter
senão a Deus. Ele deve ser pobre de tudo, salvo de Deus”.
O padre, muitas vezes,
será um homem incompreendido, porque “o celibato é um escândalo para o mundo”. No
entanto, “uma vida segundo o mundo não pode produzir em uma alma sacerdotal
senão um sentimento de incoerência, de incompletude e de separação. Peçamos ao
Senhor para jamais rompermos nossa comunhão com seu Corpo, com o próprio Cristo
jamais abandonar o mistério eucarístico. Pedimos que ele jamais solte nossa
mão. O Senhor colocou sua mão sobre nós”.
“O Cristo nos deixou ( a
nós, sacerdotes) uma responsabilidade terrível e magnífica. Continuamos sua
presença na terra. Como Ele, devemos velar, rezar e nos mantermos firmes na fé.
Ele quis precisar de nós, os sacerdotes. Nossas mãos consagradas pelo santo
óleo não são mais nossas. Elas são as Dele, para abençoar, perdoar e consolar. Elas
lhe são reservadas. Se algumas vezes o celibato nos parece muito pesado,
olhemos para as mãos do Crucificado. Nossas mãos, como as suas, devem ser
transpassadas para nada guardar e reter avidamente. Nosso coração, como o seu,
deve ser aberto para que todos nele encontrem acolhimento e refúgio. Se,
portanto, não mais compreendemos nosso próprio celibato, olhemos a Cruz. Ela é
o único livro que nos dará o sentido verdadeiro”.
“Só a Cruz nos ensinará a
sermos sacerdotes. A Cruz nos faz nascer para a vida divina. A Virgem, como uma
mãe, vela atentamente por nosso crescimento espiritual. Ela nos educa para
crescer na fé”. Amém.
[1] SARAH, Cardeal Robert. Do profundo do nosso coração. Tradução
de Maurício Pagotto Marsola. 1.ed. São Paulo: Edições Fons Sapientiae, 2020. p.
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