O
PECADO ORIGINAL
1. A
revelação do pecado no Antigo Testamento.
Neste item primeiro o autor trabalha o homem
enquanto criatura de Deus, feito à sua imagem e semelhança, mas que tem uma
inclinação para o mal que não pode provir de seu criador que é bom. Assim, ao
se negar com freqüência a reconhecer Deus como seu princípio, o homem rompe a
devida subordinação a seu fim último e também toda a sua ordenação, tanto pelo
que toda a sua própria pessoa, como as relações com os demais e com o resto da
criação.
O livro
apresenta a fundamentação bíblica da doutrina do pecado original. A trajetória
seguida pela revelação de uma pedagogia progressiva, ou seja, que começa
denunciando a pecaminosidade universal para concluir no esclarecimento de tal
fato desde o acontecimento-Cristo que mostra o poder salvífico divino.
1.1.Os
aspectos sombrios da condição humana.
Aqui o autor começa falando da grande abertura que a
Bíblia coloca de um mundo criado por Deus e o homem, também criado, à imagem de
Deus. No entanto, vai elencando que a existência é também sofrimento e morte,
porque essa foi a experiência do povo de Israel que viveu sob a miséria de uma
existência precária marcada pelo sofrimento e presidida pelo destino mortal.
Nem os eleitos de Deus estão imunes dessa lei da condição humana.
Mas apartir da situação de dificuldade, os
israelitas começam a se perguntar sobre a causa, o motivo de tanta desgraça.
Daí percebem a existência como tendência para o pecado. Já a formulação javista
da Bíblia expressa essa realidade com crueza em várias narrações. Interessante
que a pecaminosidade de que falam não diz respeito apenas ao cometimento de
atos imorais, mas a uma predisposição psicológica, quase conatural que impede o
contato perfeito com o criador, o desenvolvimento religioso do povo.
Há, para o povo israelita, para os escritos
histórico, proféticos, sapienciais, poéticos, da Palavra de Deus uma espécie de
incompatibilidade entre Deus e o homem. Esse distanciamento só pode ser devido
a um processo de alienação do homem que errou seu objetivo quando quebrou a
comunhão com o Criador, se pervertendo.
1.2.O
relato da queda (Gn.2-3).
Esse momento do texto discorre sobre o relato
bíblico da queda. O capítulo 2 de Gênesis nos apresenta um mundo ideal
presidido pela imagem do paraíso; já o capítulo 3 nos defronta com a súbita
decomposição dessa imagem com a irrupção do pecado e suas conseqüências.
No capítulo 2, percebe-se que Deus toma para si o
homem para situá-lo junto a si, em estreita comunhão de vida. Isso fica
expresso na alegoria das duas árvores. A primeira é a árvore da vida onde fica
claro que viver é mais do que existir, é desfrutar de uma existência
plenificada pela comunhão com o Senhor, portanto, uma realidade sem pecado. Já
a segunda árvore é a da ciência do bem e do mal. O significado dessa árvore é
justamente o desejo de ser igual a Deus, como Ele. No entanto, o homem é criatura
e no desejo de ser igual ao Criador revela-se que estava totalmente em Deus
enquanto participante do paraíso, mas agora é levado a ser si mesmo, ou seja, a
ser responsável pelas escolhas, pelo querer, pelo que realiza que nem sempre é
opção pelo projeto de vida de Deus.
No Gn 3 há o relato da queda. A questão capital
desse relato é a oferta feita ao homem, a proposta ou tentação por excelência:
a possibilidade de se afirmar autonomamente como absoluto, situando-se, assim,
no lugar de Deus, sendo como Ele. O problema é que o pecado é sempre falaz,
nunca cumpre a sua promessa. Muito pelo contrário, faz uma ruptura da relação
homem-Deus. Com a experiência da nudez que é, segundo a mentalidade bíblica,
sinal de degradação, de indignidade, de envelhecimento com a conseqüente perda
da autoridade e de auto-estima mostra que a experiência do pecado contamina
qualquer outra experiência humana, nenhuma zona fica isenta.
Entretanto, a fé na santidade e na bondade de Deus
não pode admitir o triunfo definitivo do mal. A história será a despeito da
pecaminosidade humana, história da salvação, não da perdição. Aqui é
interessante perceber que a Bíblia não quer informar-nos sobre a origem do mal,
mas dar testemunho de seu caráter de culpa. A questão teológica não aponta para
a origem do mal, mas para a separação real do mal na cruz. Nesse sentido, o
papel de Adão consiste em ser o símbolo do homem a quem Deus oferece sua graça
e que a perde por sua culpa. O que o autor do texto sagrado quer afirmar é que
a experiência do mal teve um começo absoluto; a prova da liberdade e o pecado
subseqüente foram o primeiro evento, determinante para todos os demais.
1.3.Pecado
de Adão e pecaminosidade universal.
Nessa parte do livro ficam evidentes, sobretudo dois
textos sapienciais: Eclo 25, 24 que coloca, mais uma vez, a culpa na mulher,
afirmando que foi por ela que o pecado começou e Sb 2, 24 que diz que a morte,
por inveja do diabo, entrou no mundo e a experimentarão os que ao mundo
pertencem. Interessante que coloca a culpa do pecado no mundo mais sobre a
mulher do que sobre Adão. Somente com o judaísmo intertestamentário é que o
papel de Adão vai ganhando terreno na discussão.
Mas o que influi na pecaminosidade universal é que a
culpabilidade humana converteu o mundo num reino do pecado; este é um fato ao
mesmo tempo pessoal e social; suas origens se confundem com as da própria
humanidade. Assim, enquanto o dado da pecaminosidade universal é uma das
afirmações teológicas fundamentais do Antigo Testamento, o dado do primeiro
pecado tem um relevo muito menor.
2. O
pecado no horizonte da salvação: o Novo Testamento.
Na segunda parte da primeira sessão do livro “O dom
de Deus” fica claro que uma hamartilogia (teoria do pecado) só é possível a
partir de uma soteriologia. Somente quando se nos revela em Cristo a vontade
salvífica do Pai podemos perceber com clareza a necessidade universal da graça
redentora e a anormalidade da situação religiosa do homem que está em pecado.
Essa é a grande Boa-Nova: na pessoa de Jesus Cristo irrompeu o Reino de Deus, o
que converte a situação atual em um ‘agora salvífico’. O Novo Testamento vai
afirmar que todos são redimidos e é exatamente essa redenção oferecida a todos
que denuncia a pecaminosidade de todos! Assim, a realidade, a profundida e a
extensão do pecado universal só podiam ser captadas à luz da salvação
universal. É a cruz de Cristo, e não a queda de Adão, o que nos dá a medida
cabal das dimensões da culpa. É o mistério da salvação que esclarece o mistério
do pecado, e não o contrário.
2.1.
Os Evangelhos.
Os evangelhos sinóticos não falam do pecado
original, aponta o autor como consenso entre os exegetas. Mas prolongam a
doutrina do Antigo Testamento, menciona repetidamente a pecaminosidade
universal como um fato inquestionável. O pecado, assim, não está fora, mas
dentro do homem (Mc 7, 21-23). Os sinóticos reconhecem a dimensão social da
malícia humana (Mt 23, 29-36). Exemplo claro disso é o texto do joio e do trigo
(Mt 13, 24-30.36-43). Esta parábola coloca o problema da origem do mal e aponta
para o maligno como causa do mal, não para Deus que cria todas as coisas a
partir de Si, do Bem.
Já o evangelho de João assume um destacado relevo a
categoria ‘pecado do mundo’. O mundo, entendendo-se a realidade histórica
resultante das opções humanas, não conheceu nem recebeu o Verbo encarnado por
quem fora feito (Jo 1, 1.11). alienando-se de sua origem, converteu-se numa
área de pecado, que Jesus assumir(Jo 1, 29).
Mas então, quais são os resultados das indagações
sobre o pecado nos evangelhos? Destacam-se as afirmações, não primeiramente do
pecado, mas de uma salvação dirigida igualmente a todos e centrada na pessoa de
Jesus Cristo. O homem é afetado por uma incapacidade natural para o bem; sua
pertença ao mundo endureceu seu coração, conforma-o interiormente e lhe impede
o passo para o Reino. Esta situação não deriva da criação. À ordem desejada
pelo desígnio divino sucedeu a desordem induzida pelo maligno. Com ele, pôs-se
em marcha uma dinâmica de morte, que faz do mundo um reino de pecado; o pecado
possui, pois, uma espessura e uma densidade que superam a das ações meramente
individuais.
2.2.
São Paulo.
Para Paulo, a condição humana, em Rm 5, 12s, tal
como é em si mesma, se move numa atmosfera de pecaminosidade, que conduz
irremissivelmente à execução de ações desordenadas e que, por conseguinte,
provoca a rejeição divina, desde que não entre em jogo o amor misericordioso de
Deus (v. 4s). A esfera da carne é, pois, mortal por necessidade; a atmosfera
que nela respira é letal. A morte não se esgota no fenômeno físico do
desenlace; é, ao contrário, a manifestação visível da perdição; denota não só
simples fato biológico, mas uma situação teologal e o estado de ruptura para
com Deus, que inclui a não-salvação.
Na teologia paulina p paralelo Adão-Cristo
desempenha papel decisivo em Rm 5, 12s. Adão e Cristo são apresentados (v. 22)
como figuras nas quais se condensa solidariamente a humanidade inteira: em um e
outro estamos todos contidos. A solidariedade em um (Adão) e a incidência desse
um sobre todos, na situação de morte, só são superáveis por outra solidariedade
e outra incidência paralela, mas de sinal contrário: a de todos em Cristo. Assim
o essencial em Paulo é que se o pecado entrou no mundo por um homem (Adão), por
uma homem entrou a salvação (Cristo).
O texto de Rm 5 é de central importância para a
teologia do pecado original. No entanto, existem outros textos do apóstolos que
ajudam a identificar a condição humana enquanto ser pecador e aprisionado pelo
pecado. Exemplo disso e´Rm 7, 15. 18-19, queremos o bem que está em nós, mas
não somos capazes de fazê-lo. É comprovada assim a existência de uma propensão
incoercível que empurra espontaneamente para o que a lei proíbe (v. 7-8). O
pecado, que habita no homem, está alojado dentro dele e age por ele como sendo
não a ação de si mesmo, mas o pecado que age (v. 17.20).
Desse modo, quanto ao tema da universalidade do
pecado, Paulo coloca que a única razão que pode garantir a universalidade das
ações pecaminosas é a universalidade da habitação do pecado: todos pecaram,
porque o pecado habitava em todos. Aqui só cabem duas respostas: ou o pecado é
um fato da natureza ou um fato da história. A única resposta válida para o crente,
portanto, é esta: que o pecado procede de um fato da história: por um homem o
pecado entrou no mundo.
No texto de Rm 5, 12-21, é claro que não é a lei que
salva, mas a fé em Cristo, o meio pelo qual Deus se vale para revelar sua
misericórdia. Dessa maneira, mostra que o que Paulo expõe em sua carta aos
romanos não é, primeiramente, uma catequese sobre o que logo se chamará de
‘pecado original’, mas a mensagem cristã em sua pura essencialidade: Cristo é o salvador de todos os homens.
3. Historia
da doutrina do pecado original.
Este capítulo oferece uma visão histórica da
problemática do pecado original, bem como a reflexão da fé por manter um
difícil equilíbrio de um duplo fator desencadeante da situação universal de
pecado: o destino anterior derivado de um acontecimento na história e a decisão
pessoal que opta pela opção pecaminosa.
3.1 Das
origens a Santo Agostinho.
Várias são as posições sobre a origem do pecado
antes de Agostinho. Irineu, por exemplo, fala que o gênero humano é afetado por
uma situação de pecado, da qual ninguém se exime, que não se enraíza na
natureza humana enquanto tal, mas que advém á humanidade por sua solidariedade
em Adão, que é, o pressuposto prévio da solidariedade universal em Cristo.
Cipriano assevera que o pecado de Adão é uma ‘ferida’ que afeta a todos nós
produzindo nossas feridas, que nos fazem nascer desnudos e disformes como Adão.
Considera que as crianças reproduzem a nudez e a deformidade de Adão; estão
desprovidas de graça e são pecadoras, ainda que de modo diferente dos adultos.
Segundo Cipriano, o batismo liberta o ser humano de uma condição pecadora
derivada de Adão, não somente dos pecados pessoais. Contudo, não é este o seu
efeito principal: o objetivo direto e mais valioso do sacramento é a
participação da vida nova em Cristo.
3.2.Santo Agostinho e a crise pelagiana.
A célula geradora do pensamento agostiniano sobre o
pecado original é a convicção de que Cristo vem para salvar a todos, sem a
menor exceção, o que significa que todos necessitam ser salvos por ele.
Agostinho teve sérios problemas com a doutrina pelagiana. Segundo esta, a
natureza desempenha o papel decisivo; Cristo tem papel secundário. Para
Agostinho, o processo discursivo não parte da existência do pecado original
para a necessidade do batismo, mas o contrário, da necessidade do batismo para
a existência do pecado original, cujo conhecimento revela por que Cristo deve
ser o redentor de todo ser humano, portanto também do recém-nascido. Assim, o
batismo de crianças, longe de ser uma prática mais ou menos aceitável seria o
lugar onde emerge ostensivamente o papel salvífico universal de Cristo, a
gratuidade da graça e a necessária mediação da Igreja.
Pois, se é certo que o homem é pecador e não pode
salvar-se por si mesmo, não o é menos que Cristo seja o salvador dessa causa
perdida e que, sobre o obscuro fundo da loucura humana, brilhe gloriosamente a
oferta divina da graça libertadora. Assim, a crise pelaginana se resolveu
quando a Igreja reconheceu a existência do pecado original.
3.3. Da Idade Média ao
Vaticano II.
Na Idade
Média duas questões atraíram a reflexão teológica: em que se baseia nossa
solidariedade em Adão e que gravidade cabe atribuir ao pecado original,
sobretudo se comparado aos pecados atuais. A partir dessas perguntas aprecem
alguns teólogos como Pedro Abelerdo, a escola de São Vitor que afirmam que a
essência do pecado original seria a concupiscência habitual. Santo Anselmo
optará por uma definição diferente, em termos negativos. O pecado original é a
privação ou ausência da justiça devida. Somente em Tomás de Aquino adquire-se
uma definição mais clara: o pecado original consiste num elemento material, que
é a concupiscência, e num elemento formal, que é a ausência de justiça
original.
Com a Reforma, Lutero
afirmará que o pecado original é a ausência da justiça original, não a concupiscência.
O batismo desfaz aquele, mas não faz desaparecer esta que não pode ser,
portanto, culpa, mas pena. Para Lutero, a concupiscência, desatada pelo pecado
de Adão, invade o homem inteiro, sem deixar nenhuma zona isenta, constitui seu
pecado fundamental e o empurra irresistivelmente para os pecados atuais.
Zwinglio, reformador de Zurique, optará por uma via média entre o luteranismo e
o catolicismo: o que foi transmitido por Adão não é pecado em nós; a noção de
pecado é inerente à opção da vontade. Mas a herança adâmica está relacionada
mediatamente com a condenação, enquanto faz germinar em nós o amor próprio do
qual brotam os pecados pessoais.
Papel importante na
definição de pecado original teve o Concílio de Trento. Atacou o problema do
pecado original na quinta sessão que resultou num decreto co cinco cânones e
uma disposição final. O cân. 1 se ocupa do pecado de Adão e as conseqüências
que teve para ele. O cân. 2 fala das conseqüências do primeiro pecado para todo
o gênero humano. O cân. 3 trata do remédio do pecado mencionado no anterior,
que não é outro senão o mérito de Cristo, que se confere no batismo. O cân. 4
reproduz o cân. 2 de Cartago. E o cãn. 5 distancia a doutrina do pecador
original do que pensaram os reformadores. Em síntese, Trento afirma a
existência do pecado original que afeta interiormente a todos; do qual só nos
pode libertar a graça de Cristo comunicada pelo batismo. Este elimina
totalmente quanto haja de pecado no batizado e, portanto, a concupiscência,
remanescente depois do batismo, já não é pecado, em sentido próprio, nos
batizados; a situação universal de pecado tem como fator desencadeante a ação
histórica de uma liberdade humana.
4. Teologia
do pecado original.
Nesse
último capítulo, o autor seguirá a ordem dos cânones de Trento explicitando-os.
4.1 A
justiça original.
O ser humano é criado não para ficar numa hipotética
condição de natureza pura, mas para realizar sua abertura transcendental para
Deus, superabundantemente, além de sua própria estrutura ontológica. Nesse
caso, a graça, pode não ter sido assumida pessoalmente pelo homem no primeiro
momento de sua história, mas já estava ali a sua disposição como oferta divina
séria e eficaz. Assim percebe-se que a teologia tem que descrever o ponto de
partida da história, antes, inclusive, que o homem atue pessoalmente, como
estado original de justiça. Desse modo evidencia-se que o pecado de Adão não é
o primeiro, nem a história se inicia com ao opção pecadora do homem, mas com a
vontade agraciante de Deus.
Desta forma, a teologia do pecado acaba por mascarar
o autêntico plano divino, ocupando o primeiro plano e relegando a uma segundo
termo o que, segundo o prólogo da Carta aos Efésios, é o desígnio anterior de
quem realiza tudo conforme a decisão de sua vontade (Cf. Ef 1, 11). Há,
portanto, uma única economia de salvação, não duas, e uma única graça, aquela
com a qual Deus quis, desde sempre, enriquecer a humanidade, recapitulada e
divinizada em seu Filho.
Desse modo, a divinização do homem acontece com a
humanização de Deus; a justiça original é, portanto, ima forma de cristologia
começada e, em certa medida, desconhecida; o que tal estado pode dar de si só
se revela completamente ao chegar a plenitude dos tempos quando o Filho nascer
de mulher para que o homem recebe a filiação adotiva (Gl 4, 4-5). A encarnação
não é um mistério de redenção e de reconciliação; é um mistério de divinização
do homem à imagem de Deus (Gn 1, 26) constitui seu primeiro esboço. Daí que se
tenha podido dizer, com tanta beleza quanto precisão que “quando se modelava o
barro, se pensava em Cristo, o homem futuro” – Tertuliano.
4.2. Pecado originante?.
Se a fé confessa a existência do pecado, porque
segundo o Novo Testamento, Cristo é o salvador de todos, essa mesma fé há de
postular o pecado originante, porque segundo o Antigo Testamento, Deus é o
criador de todos. Se não se diagnostica expressamente uma eficiência humana na
origem da pecaminosidade universal, Cristo viria não para salvar, mas para
reparar um imperdoável esquecimento de sua tarefa criadora, o que não é
verdade.
Portanto, entre a criação de cada ser humano e sua
existência concreta, algo teve que intervir, que permite dar conta destas duas
verdades: Deus não cria pecadores; o homem nasce pecador. Esse algo é o pecado
originante. Com isso, conclui-se que não é a personalidade histórica de Adão
que interessa à teologia, mas sua função introdutória no reino do pecado. Se
Deus propõe tornar o homem partícipe do seu ser, conferir-lhe a graça
divinizante, essa participação se fará respeitando as estruturas ontológicas do
destinatário. Pois bem, o homem é um ser social, o que significa que não pode
relacionar-se com Deus diretamente, mas através da imagem de Deus, na mediação
do tu humano. No começo da história tal mediação não cumpriu seu objetivo; em
vez de ser receptora e transmissora da graça, recusou-a; respondeu a Deus com
um não, inaugurando, assim, a história do pecado. É justamente a mediação
falida desta liberdade, oposta a Deu, o que se designa pelo termo Adão.
O pecado originante é concebido de três maneiras: 1)
Monoculpismo: o primeiro pecado da história basta, por is só, para construir o
pecado originante. 2) Policulpismo: o pecado originante é o pecado do mundo,
entendendo-se por tal o conjunto das ações pecaminosas, cometidas ao longo da
história. 3) Concausalidade do primeiro pecado e dos demais. O pecado
originante seria uma magnitude dinâmica, não estática, que começa a produzir
seu efeito a partir do cometimento do primeiro pecado histórico e que se vai
engrossando, a modo de bola-de-neve, com todos os pecados pessoais; cada ação
pecaminosa, com efeito, afirma a dominação do mal sobre o mundo e aumenta o
peso de culpabilidade que pende sobre cada existência humana.
O primeiro pecado, em suma, influi em cada ser
humano, não necessariamente de forma direta e imediata, mas, sim, mediante os
pecados próximos que, em última instância, derivam dele e ampliam sua
virtualidade. A real efetividade do primeiro pecado garante, além disto, a
universalidade da ação pecaminosa.
4.3. O pecado originado.
O pecado original é: uma situação anterior à opção
pessoal de não-salvação comum a todos, desde o primeiro momento e somente
superável pela união a Cristo; procedente de uma ação humana, e que tem, aos
olhos de Deus, caráter de verdadeira culpa.
O homem é uma realidade dinâmica que vai se
construindo como ser pessoal, em e pela relação, através da abertura ao tu e da
inserção na sociedade. Há, portanto, entre os seres humanos, uma solidariedade
base, que não deriva só, nem principalmente, do fato de participar de uma
natureza comum, nem depende exclusivamente do dado biológico da descendência
física. Mas procede da comunhão numa história única, que constitui o
pressuposto da liberdade pessoal e determina interiormente o eu singular.
Desse modo, ninguém alcança a salvação sem a
assunção pessoal da graça em outros, os quais, por sua vez, a manifestam e a
transmitem. Eu não poderia crer e ser agraciado se outros, antes de mim, não
tivessem crido e sido agraciados. A emergência histórica da graça, tal e como
acontece na comunicação interpessoal é elemento constitutivo de minha salvação.
Entretanto, a pertença ao reino do pecado é inerente
ao ser social de cada homem e, portanto, determina interiormente sua
personalidade. O indivíduo humano, membro dessa comunidade pecadora, aparece
diante de Deus como privado de graça. O que denominamos pecado original emerge
como pecado do pecado pessoal. Esse não é mais do que a ratificação voluntária
daquele; é o pecado original em ato, o germe produzindo seu fruto. No entanto,
o simples germe do pecado não assegura ainda seu fruto, a morte eterna. O
pecado original somente não pode conduzir à perdição escatológica.
4.4. A modo de recapitulação.
Com a doutrina do pecado original a fé cristã
procura dar expressão a duas de suas convicções fundamentais: a vigência de um
fator suprapessoal, que distorce a relação homem-Deus e a presença de uma graça
que superabundará onde abundara o pecado e, cujo primeiro efeito é o
reconhecimento deste, ao que se segue a confirmação da derrota.
A revelação do pecado no Novo Testamento é a seqüela
da revelação da graça salvadora. Foi a universalidade desta que confirmou a
Igreja na convicção universal daquele. É, portanto, o mistério pascal de Cristo
o que, segundo a fé cristã, se situa no centro da história, como a chave
interpretativa de seu sentido: fomos criados para ser divinizados, e a
divinização acontecerá pela via da encarnação.
Sendo assim, a “mensagem
do pecado original pertence à entranha do Evangelho, porque, afinal de contas,
é a mensagem da graça vitoriosa”.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
RUIZ DE LA PEÑA, Juan L. O Dom de Deus: Antropologia
Teológica. Vozes. Petrópolis. 1997. p. 33 – 182.
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