Inicia-se com espírito de penitência e oração o Tempo da Quaresma. Tempo marcado pela caminhada de Jesus pelo deserto e, portanto, nossa caminhada com Ele para que, sofrendo com ele a morte, ressurjamos, com Ele e n'Ele, para a vida que não tem fim.
No Primeiro da Quaresma a Liturgia oferece uma profunda meditação sobre a vida de cada pessoa. O grande tema são as tentações que Jesus sofre que não são diferentes das que os homens e mulheres de todos os tempos também passam. Constantemente o maligno vem e oferece um caminho mais rápidos, mais curto, soluções mais fáceis para resolverem-se problemas, sofrimentos e dificuldades. No entanto, a Palavra de Deus aponta sempre o caminho de Deus, a solução que brota do estar junto com o Senhor, porque pode ser mais difícil, mais exigente, mas é aquele que traz a salvação, a felicidade por inteira.
As tentações não aparecem "do nada", não estão perdidas no mundo, mas são fruto do pecado (Gn 2, 7s) como aponta hoje a Primeira Leitura. Deus quer o melhor para seus filhos, criou-os por amor e criou o universo todo como um grande paraíso, uma terra sem males para que a felicidade reinasse nele. Mas, o pecado entrou no mundo. Aquele no qual Deus soprou as narina dando-lhe o sopro da vida, tornando-o um "ser vivente" (Gn 2, 7b), esse mesmo escolheu não viver na liberdade de criatura, mas ser como o Criador de todas as coisas. A vaidade, o egoísmo, a ganância do poder e do ser superior, ser mais, de conhecer o bem e o mal, de ser como Deus, da autosuficiência (Gn 3, 5b) contaminou o ser mais belo criado por Deus: o ser humano.
A raiz de todo mal é o pecado, o afastamento e o abandono de Deus. Mas, então, porque Jesus foi tentado, sendo Ele Deus, bondade infinita e misericórdia sem tamanho? "Jesus deixa-o agir (o maligno) para nos dar exemplo de humildade e para nos ensinar a vencer as tentações que sofremos ao longo da nossa vida" (Francisco Fernández Carvajal). Jesus foi tentado para nos ensinar que o mal, a dificuldade, o sofrimento estão aqui, no mundo, no meio em que se vive. Portanto, ninguém deve considerar-se isento de passar por tentações e, muito menos, de sentir-se desamparado por Deus nessas horas, porque o próprio Deus permitiu-se tentado para nos socorrer.
O diabo nunca trabalha com armas fracas. Ele sabe bem o que nos atinge. E provou Jesus naquilo que o homem mais tem como sede, ganância: o material, a facilidade, o poder. A primeira tentação se dá no deserto. Quando Jesus sente fome. Ora, a primeira necessidade humana é o alimento que fortalece e que dá vida. No entanto, mesmo cansado Jesus mostra que não é somente o alimento material que basta, mas o que realmente dá vida, a Palavra de Deus.
A segunda tentação se dá no âmbito do poder. O maligno leva Jesus até o alto do Templo, da Casa de Deus, porque é Deus mesmo quem sustenta, quem envia os anjos para socorrer. É a tentação da facilidade, de buscar as coisas pelo caminho mais breve e mais fácil. No entanto, é o pecado de deixar-se levar pelas banalidades da vida e nunca dedicar-se com verdadeiro amor ao que realmente faz a vida melhor, mais bonita: a alegria de conquistar algo com o trabalho árduo, mas que foi edificante. Na sociedade atual, o mal da facilidade, de conseguir tudo sem grande esforço está muito presente. Mas ao lado disso vem a frustração, a falta de sentido, a falta de amor e de referências que fazem de cada um e de todos mais abertos aos outros, à Deus e si mesmos.
A terceira tentação é a do poder. O diabo vai com Jesus até o alto da cidade e pede adoração. Em troca? Todos os reinos da terra. Quem não gostaria de poder dominar todas as coisas, todas as pessoas, tudo o que consegue ver, tudo o que necessita. No entanto, o domínio de Deus é o domínio do amor, da misericórdia, do perdão, da bondade, da vida em abundância e plenitude, da felicidade. O grande exercício quaresmal se dá quando há a recusa, melhor, a escolha do cristão e da cristã por uma existência diferente, pautada segundo o modo de Deus, o jeito de Deus, a vida de Deus. Evidentemente é um trabalho pesado, cansativo, mas não se está sozinho. Jesus sempre caminha junto!
É justamente o fato do Senhor estar sempre ao lado de quem o procura e de quem d'Ele precisa que pode fazer de todo ser humano uma pessoa mais santa e mais plena. É o relato de Paulo na Segunda Leitura. Se por um homem entrou o pecado no mundo, também por um homem entrou a Graça, a Salvação (Rm 5, 15). E essa não é mortal, passageira, mas é eterna, vem de Deus, é Deus. Todos são contemplados na salvação oferecida por Deus em Jesus Cristo, Ele é o caminho!
Da parte de cada um cabe o exercício constante de dominar a tentação, deixar o que não agrada ao Senhor e lutar, como Ele mesmo fez, contra tudo o que mata o ser humano. Esse exercício é realizado com muita oração, sinceridade, espírito de mortificação, a Santa Eucaristia, o Sacramento da Reconciliação, a humildade do coração, a devoção a Maria (Cf. Carvajal).
Neste tempo favorável, tempo de conversão, que o Jesus ajude cada um e cada uma a vencer as próprias tentações e a vencer as tentações do mundo que tanto fazem sofrer e matam. Iluminados pela proposta da Campanha da Fraternidade 2014 - Fraternidade e Tráfico Humano, que haja esforço e dedicação de todos para que estes males sejam extirpados, banidos da vida de tantos irmãos e irmãs. Para isso, "Necessitamos da Palavra vivificadora que nos vem de Deus" (Pagola). Que Ele mesmo ilumine, encoraje para que o sonho do Reino também seja o nosso sonho!
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